PLANTIO

PLANTIO
PLANTIO
(Genaura Tormin)

Deus,
Senhor dos mares e montes,
Das flores e fontes.
Senhor da vida!
Senhor dos meus versos,
Do meu canto.

A Ti agradeço
A força para a jornada,
A emoção da semeadura,
A alegria da colheita.

Ao celeiro,
Recolho os frutos.
Renovo a fé no trabalho justo,
Na divisão do pão,
. E do amor fraterno.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

BANHEIRO ADAPTADO, NECESSIDADE PRIMÁRIA DE UMA PESSOA COM DEFICIÊNCIA FÍSICA


BANHEIRO ADAPTADO, NECESSIDADE PRIMÁRIA DE UMA PESSOA COM DEFICIÊNCIA FÍSICA
(Genaura Tormin)

Vencer barreiras arquitetônicas é um dos grandes desafios enfrentados no dia-a-dia da pessoa com deficiência física, segmento social historicamente marginalizado, principalmente a que deambula de cadeira de rodas.

Muitos obstáculos a vencer! Embora o desafio seja a meta para criar consciência popular sobre essas pessoas diferentes, há muito ainda a desejar.

A acessibilidade, condição indispensável para que possamos viver com dignidade, é a principal, pois, precisamos nos mostrar, exercitar o nosso caminhar, dar a nossa participação de trabalho ao país que nos serviu de berço, em vez de nos escudar sob a deficiência para abojar os problemas sociais e avocar compaixão.

Nos Estados Unidos, a cada dólar aplicado na reabilitação, acessibilidade arquitetônica e trabalho da pessoa com deficiência, o retorno é de sete dólares, pois tornando-a reabilitada, independente e produtiva, não só ela estará liberada para o mercado de trabalho, mas também o prestador de cuidados que a assistia no ambiente doméstico. Pensar em todos, é a melhor maneira de pensar em si. Assim estaremos construindo um porvir melhor

À medida que a sociedade provê meios para que o deficiente possa atuar produtivamente no sistema capitalista, estará realizando um investimento social, uma vez que ele deixará de ser um consumidor de políticas de previdência e assistência social para capacitar-se como produtor de receitas públicas, mediante o recolhimento de impostos sobre sua atividade profissional.

Fazemos parte da diversidade da vida. Dado o preconceito, que longe está de ser banido, ainda enfrentamos muitas dificuldades. Nossa estampa carrega o estigma do “coitadismo”, causando piedade, temor e quase nunca o respeito. É como se não fôssemos egressos da mesma sociedade.

Pouco se conhece do slogan "Oportunidades iguais para todos" ou "Tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida em que eles se desigualam".

Temos que ser imbatíveis para conquistar aceitação social e mercado de trabalho, pois o desconhecimento social e a falta de acessibilidade significam grandes barreiras. Os logradouros públicos não são planejados para nós.

Há grande rejeição em consultar os seus verdadeiros usuários quando de sua feitura, especialmente quanto aos banheiros, onde há certas peculiaridades e a necessidade de usá-los é vital para o ser humano. Nem os banheiros dos hospitais são construídos para nós. O improviso tem sido o nosso lema, acompanhado, é claro, de tristeza e constrangimento.

Cálculos mostram que os custos financeiros da construção de uma obra adequada e com acessibilidade às pessoas com deficiência ficam acrescidos, apenas, de 2% no seu montante. Além do mais, há legislação que nos resguarda esse direito.

A DSRD, onde trabalho, foi transferida para um prédio novo, imponente e majestoso, cuja coloração verde estampa a esperança, além das muitas vidraças que reluzem o sol da manhã, indicando a aurora de novos tempos. Uma Casa da Justiça erguida numa farta esquina! Sua calçada externa, apesar de bonita, deixou muito a desejar, não só para os deficientes cadeirantes e de muletas, mas também para as senhoras que, com certeza, estarão vulneráveis a quedas e danos materiais nos finos saltos dos sapatos.

O seu interior é requintado. Elevadores amplos, central de trabalho para cada serventuário, incluindo um computador. Particularmente, a minha ficou defronte de uma larga janela de vidro transparente, de onde tenho a cidade a meus pés. Uma paisagem que fala de paz, permeada pelo verde vivo das árvores balouçantes e enfeitada pelos espigões de concreto, em arquitetura arrojada. Bela cidade, a minha! Daí, o prazer do trabalho que já era grande, tomou proporções bem maiores. Posso trocar pela essência da FELICIDADE.

Entusiasmada com tudo e com todos, meus "olhos de primeira vez" brilhavam sem cessar. Via-me feito uma criança/adulta defronte do seu mais caro brinquedo. Sem demora, fui experimentar o banheiro adaptado, fruto de um prévio Processo Administrativo, em que foi apresentado o modelo ideal (erigido no mesmo complexo da Instituição, que abrange todo o quarteirão) para um possível plágio.

Nunca havia visto uma bacia sanitária com um recorte côncavo na frente!

Para que serve essa reentrância, meu Deus? Eu não conhecia. Além do mais é muito alta. Bem mais do que a bacia normal. Lamentável! Fiquei dependurada. Os meus pés não tocaram o chão, dificultando-me o equilíbrio para feitura dos procedimentos necessários à introdução da sonda vesical, inclusive o ajustamento do "separador de pernas" acoplado a um espelhinho ajustável, que me permite perfeição e segurança na execução, pois as pernas estáticas não obedecem a comando. Assim, é-me possível fazer a limpeza com sabão próprio (de preferência um sabonete íntimo líquido ou não), usando a ducha higiênica com gatilho manual. Através do espelho visualizo o orifício da uretra para a segura introdução da sonda e, ainda, posso ver quando termina o escoamento do líquido.


Os pés, mesmo inertes, precisam tocar o chão por questão de segurança, funcionando feito escoras para o corpo.

Fiquei caindo, como se estivesse numa balança ou numa gangorra. Contudo, introduzi a sonda e vamos lá! Para surpresa, todo o líquido escoou no chão através dessa bendita abertura que não sei para que serve. Vergonha maior foi ter que deixar o chão alagado, pois não há ralo de escoamento de água no banheiro.


SANITÁRIO SATISFATORIAMENTE ADAPTADO
O vaso sanitário, embora não se nivele à cadeira, deve ser normal, assessorado por duas pequenas paralelas dobráveis para cima, na altura normal do quadril humano médio para servir de apoio.

Para a transferência do vaso para a cadeira e vice-versa, usa-se um suporte para mão, tipo triângulo ou estribo, afixado ao teto por uma corrente.

Uma ducha higiênica, com gatilho de regulagem manual, é imprescindível para a higienização dos órgãos genitais, principalmente quando se usa sonda vesical de alívio, introduzida apenas na hora de escoar o líquido, como é o meu caso.

No novo banheiro, também não há lavatório privativo, tão necessário a uma usuária que não tem comando de esfincteres.

A paralela de segurança, à direita, foi posta numa altura bem inferior à do modelo apresentado. E a do lado esquerdo, sequer existe. Também não existe o triângulo ou estribo, afixado ao teto por uma corrente, para as transferências.

Fico muito triste com essas situações e esse desconhecimento social. E não entrei sozinha. Nem condições haveria. Fui apenas experimentar. Desistir, enfrentar ou chorar? Ou ainda, ficar em casa?

Estou paraplégica há 25 anos. Fui à luta e conquistei divisas, enfrentei barreiras.
Fiz concurso para o cargo que ocupo e a Constituição Federal respaldou-me esse direito. Tenho consciência de que faço jus ao cargo.

Sinto-me constrangida em ter que reclamar, mas tenho que usar dessa arma, pois embora tenha sido feito o PROCESSO TRT - PA-418/2006, e reiterado em atempação legal, como se vê abaixo, as dificuldades restaram gritantes.

“O objeto deste PA foi a prévia solicitação de adaptação de um banheiro para deficiente físico, cujos moldes foram apontados em edificação similar no bojo dos autos, para atender a uma de nossas servidoras com necessidades especiais: a analista judiciário GENAURA MARIA DA COSTA TORMIN.

Embora haja a afirmativa tranqüilizadora contida na certidão de fls. 11, cumpre-me informar que, em vistoria ao local, constatamos que os moldes apontados não foram seguidos. Por exemplo:

1 - falta a ducha higiênica, de real importância para a assepsia, pois a servidora com total ausência de locomoção e de sensibilidade necessita fazer cateterismo para o escoamento da urina;
2 - falta um triângulo, que deveria ser afixado ao teto por uma corrente (como no modelo), para a feitura das transferências para o vaso e vice-versa;
3 - as paralelas ali existentes foram postas em desacordo com a altura do modelo, além de uma outra excedente posta na parede posterior ao vaso que, com certeza, impedirá o equilíbrio da usuária que necessita apoiar as costas num ângulo de 90º, para assim ter condições de proceder aos atos preparatórios para introdução da sonda vesical.”

Errados princípios, dificultosos fins, embora eu saiba que não existe nada sem solução. O querer é sempre poder.

É preciso que se abram espaços para as pessoas com deficiência que virão, lembrando sempre que a humanidade se manifesta de forma cíclica. Hoje somos nós, amanhã serão outros com as mesmas necessidades. Construir é um exercício de amor incondicional à família humana terrestre.

Ratifico aqui o que disse anteriormente: ...Sugiro, ainda, que todas essas adaptações deveriam contar com a orientação prévia (também nos projetos arquitetônicos) e fiscalização, durante a feitura, dos seus reais usuários, pois o leigo longe está de entender as limitações de quem, num dia qualquer da vida, perde o direito ao caminhar. Às vezes, uma rampa íngreme, um banheiro mal adaptado, tornam-nos mais deficientes do que realmente somos.

Sabemos da solidariedade dos colegas e agradecemos o carinho, pois estão sempre atentos a nos ajudar a subir um degrau, galgar uma rampa íngreme ou atravessar qualquer obstáculo que as nossas asas rodantes não sejam capazes. Entretanto, isso é sempre a afirmação de que somos fisicamente deficientes, de que somos dependentes. Como gostaríamos de fazer tudo sozinhos!!!


Esse pedido, saído do fundo do coração, talvez tenha ficado esquecido com o vagar do tempo, numa gaveta qualquer. 

Ter problemas na vida é inevitável, ser derrotado por eles, é opcional, disse Enzo Ferrari. Por isso não se pode permitir que os sentimentos de compaixão ou repulsa releguem-nos à inutilidade, conduzindo-nos à inércia.

Não peço paternalismo nem diferenciação, quero apenas oportunidade para que eu possa exercer com dignidade o cargo que conquistei, tomando por suporte a célebre frase de Rui Barbosa: “... tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida em que eles se desigualam".

Genaura Tormin

PS.: Peço desculpas aos colegas escritores. Preciso publicar esta matéria! Não sou paraplégica por acaso, e, também não é por acaso que tenho um pouco de voz. Preciso plantar! Preciso contribuir para nova mentalidade. Preciso informar, criar consciência popular sobre o que é ser um deficiente físico. Geralmente, as pessoas pensam que se resume apenas em estar sentado numa cadeira de rodas. Acredito estar tentando melhorar o porvir. Chegará um dia em que seremos todos irmãos de verdade, com respeito e acesso a todos os lugares.
Obrigada!

Texto publicado no Planetaliteratura.com
e no Recanto das Letras.

Genaura Tormin
é autora dos livros
PÁSSARO SEM ASAS,
APENAS UMA FLOR,
NESGAS DE SAUDADE e
BORBOLETEANDO.

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Era uma luz no fim do túnel e eu não podia perder.
Era a oportunidade que me batia à porta.
Seria uma Delegada de Polícia, mesmo paraplégica!
Registrei a idéia e parti para o confronto.
Talvez o mais ousado de toda a minha vida.
Era tudo ou NADA!
(Genaura Tormin)



"Sou como a Rocha nua e crua, onde o navio bate e recua na amplidão do espaço a ermo.
Posso cair. Caio!
Mas caio de pé por cima dos meus escombros".
Embora não haja a força motora para manter-me fisicamente ereta, alicerço-me nas asas da CORAGEM, do OTIMISMO e da FÉ.

(Genaura Tormin)