PLANTIO

PLANTIO
PLANTIO
(Genaura Tormin)

Deus,
Senhor dos mares e montes,
Das flores e fontes.
Senhor da vida!
Senhor dos meus versos,
Do meu canto.

A Ti agradeço
A força para a jornada,
A emoção da semeadura,
A alegria da colheita.

Ao celeiro,
Recolho os frutos.
Renovo a fé no trabalho justo,
Na divisão do pão,
. E do amor fraterno.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

MACABRA ARMA ASSASSINA




MACABRA ARMA ASSASSINA
(Genaura Tormin)

Não obstante as muitas campanhas educativas do trânsito, sinto-me compelida a emprestar minha cota-participação na busca de maior entendimento, maior conscientização sobre o trânsito, tanto dos condutores dessa arma assassina chamada veículo, quanto dos seus usuários e pedestres que por ela passam.

As estatísticas apontam crescente índice de atropelamentos, colisões, abalroamentos e choques com objetos fixos (árvore, postes etc) no trânsito das grandes cidades, resultando muitas vítimas fatais e ou de lesões corporais, até de natureza gravíssima, com sequelas irreversíveis.

A falta de respeito às normas de trânsito, distribuídas por todas as malhas viárias, é uma constante para a ocorrência dos muitos acidentes. Nem mesmo o slogan: “Perca um minuto na vida, mas não perca a vida num minuto” é capaz de levar ao grande contingente armado a consciência de que a sua arma (o carro) é por demais perigosa e sem complacência pode matá-lo.

Tendo trabalhado, em cadeira de rodas, numa delegacia que apura as responsabilidades penais no trânsito, representava um paradoxo para a maioria que perguntava sempre: — foi acidente?

Com essa experiência, tenho a dizer que o trânsito tanto mata como causa deficiências permanentes mais do que todos os revólveres dos bandidos, todas as doenças e calamidades públicas juntos. Atribuo como causa principal a falta de cultura popular sobre essa macabra arma assassina chamada veículo.

Se todos a entendessem como tal, acredito que o ser humano seria mais preservado em sua integridade física, evitando vidas de tantas batalhas sob o jugo de deficiências irreversíveis ou a dolorosa partida prematura de entes queridos, deixando outros à mercê da própria sorte, aumentando os problemas sociais.

O brasileiro, geralmente, quer auferir vantagem em tudo. É um marco do seu estilo de vida. Especificamente no trânsito, se não tem guarda, avança o sinal, entra na contramão, faz conversões proibidas, exercitando à vontade a imprudência, cujo ônus chega, por vezes, a ser pago com a própria vida e a de outrem. Daí a sábia frase: “É preciso dirigir para si e para os outros”. É a chamada direção defensiva, tecnicamente falando.

Estarrece-me ver e sentir que o crime do automóvel está sendo compartilhado de pai para filho menor de idade. Faltam consciência, valores éticos e probidade. Nem sequer as normas fundamentais de conduta axiológica estão sendo repassadas aos próprios filhos que, à direção do carro, brincam com vidas, sentimentos, vendo em cada pedestre uma baliza para o aprendizado; em cada veículo, um escudo para pancadas, deixando as marcas sangrentas pelas rodovias, ruas, vielas e praças, fulcrados sempre no desrespeito às normas de trânsito, placas, dísticos e semáforos. E, ainda, sob a guarda corajosa do pátrio poder. Os famigerados rachas, os cavalos-de-pau,largamente divulgado pela mídia, deveriam ser severamente apenados. Abomino tal conduta e a classifico de crime doloso: tentativa de homicídio. Risco assumido.

As leis existem para serem respeitadas. Somos uma Nação organizada, tutelada. Até as normas consuetudinárias dentro da relação familiar deveriam merecer respeito. Por isso os pais jamais podem abdicar da missão educadora, respaldando-se sempre no exemplo, com a execução e a mostra do certo, pois as palavras comovem e passam, enquanto os exemplos se arrastam, permanecem, erigindo ou destruindo.

Quantas vidas são ceifadas, e quantas outras são condenadas a verdadeiros martírios: vegetando, arrastando-se em cadeiras de rodas, muletas ou tateando em trevas pela perda traumatológica dos olhos em sinistros de trânsito. É um verdadeiro colapso na trajetória da vida humana.

Tudo isso é o retrato fiel da ineficácia educativa, legada por ação ou omissão nos lares, na comunidade e na esfera governamental, pois educar é transmitir o gosto pela vida; é tentar descobrir os valores positivos e exteriorizá-los para uma vida feliz.

Vivemos numa sociedade rica de meios, mas pobre de vida. É preciso doar-se! O homem moderno, nessa corrida pelo TER, não aprendeu a viver, a amar transcendentalmente pelo menos aos que o cercam. Ele não sabe viver a experiência de ser ferido. E é por isso que presenciamos uma avalanche de condutores loucos no trânsito a exigirem respeito às suas barbaridades e transgressões, blasfemando palavrões e fazendo gestos obscenos. Não devemos responder a tais impropérios. É bom que sejamos diferentes! Isso nos devolve o sentimento de dignidade, além de estarmos plantando uma fagulha de amor que, por certo, multiplicar-se-á.

Costumo dizer que “errados princípios, dificultosos fins”. Por isso ao possuidor da arma assassina tenho a dizer o seguinte: ame-se em primeiro lugar! Respeite a sua vida e a vida do seu próximo! Previna-se! Jamais dirija embriagado! Seja honesto consigo mesmo, respeitando a sinalização, as normas de trânsito, mesmo sem a presença do guarda. Cuide do seu carro, pois ele poderá ser a própria arma que matará você.

Genaura Tormin - escritora, autora dos livros Pássaro Sem Asas, Apenas Uma Flor, Nesgas de Saudade, Borboleteando, e ainda,  Marola, Veleiro e Vento,
é ex-delegada de Trânsito de Goiânia, hoje,
Analista Judiciário do TRT/GO

sábado, 25 de setembro de 2010

A SEXUALIDADE TEM LEVEZA, GRAÇA E BELEZA


A SEXUALIDADE TEM LEVEZA, GRAÇA E BELEZA
(Genaura Tormin)

O ato de amar tem leveza, graça, ternura, beleza... Um pouco de céu passeando pela natureza.

A sexualidade é um atributo nato do ser humano. Não está cingida somente à genitália. Muitos outros detalhes são os responsáveis pelo prazer.

Com a mulher paraplégica não é diferente em decorrência de sua condição. Depende muito da altura da lesão e de sua parcialidade ou não. Cada lesão é peculiar, única. Cada caso é um caso, com respostas diferentes. Isso quer dizer que a interferência dessa condição no exercício da sexualidade é relativa.

Se a deficiência não tiver cunho medular, não há em se falar de dificuldade sexual, no sentido de obtenção de prazer.

O termo sexualidade é amplo e está ligado à individualidade, aos valores herdados do berço, aos legados familiares e à influência do meio em que se vive, abrangendo algumas fantasias sócio-culturais, passadas pela mitologia grega e pelos conceitos de beleza, atribuídos à mulher ao longo dos tempos.

A supremacia masculina revela-se nessa relação, ostentando um modelo sociológico antigo de propriedade, cujo estereótipo vem sendo banido, com a ascensão da mulher à conquista de si mesma. Até os anos 60 a mulher foi tida como objeto sexual, fardo nos ombros do marido. A figura do macho, caçador, senhor de muitos leitos, também foi amainada. Cresceu em sabedoria, e em recente pesquisa ficou demonstrado que os homens mais informados, mais cultos, não se dão a traições banais. Isso é crescimento, mudança de valores.

A medula, o nosso tecido mais nobre, que se encontra preenchendo o conduto da coluna vertebral em forma de tutano, é a responsável, em sua parte anterior, pela transmissão dos movimentos locomotores e na parte posterior pela transmissão da sensibilidade. Se sofremos secção total da medula por tiro, acidente ou até mesmo por vírus, teremos enclausurados os movimentos locomotores, bem como a sensibilidade que é substituída por macabra dormência e a sensação gélida da Antártida.

Mesmo assim, apesar de estarmos com deficiência, fisicamente estamos vivas. Resta-nos o cérebro pensante, criativo e, por vezes, escandalosamente sensual.

A primeira noite de novas núpcias, depois de paraplégica, pode ser dolorida, com o passado gritando, desarrumando sem dó o nosso coração que, com certeza, deixa vazar a perda em mares de lágrimas. Mas isso é bom. Começa-se a carpir o terreno, na construção de veredas e atalhos. Geralmente o orgasmo esconde-se na conjectura do nada e o órgão genital não se prepara para a cópula. Não se lubrifica, dificultando a penetração que carece contar com a ajuda de um lubrificante íntimo. E aí, fica-se virgem outra vez! É preciso esflorar o hímen. Talvez, seja um privilégio a ideia conotada.

É preciso ultrapassar essa barreira. Libertar-se. Dar vazão ao sentimento. Deixar que as lágrimas escorram pela face e apascentem a alma na construção de novas maneiras de cantar o amor.

O que fazer? Reconstruir! Erigir pirâmides e versos! Pensar grande! Resta-nos, ainda, agradecer! Fisicamente podemos satisfazer o parceiro e descobrirmos juntos outras maneiras, outros pontos eróticos que não nos deixem a ver navios. A tarefa a dois fica mais fácil e a solução mais agradável.

A natureza é mesmo perfeita e o sexo é a sublimação do amor, o berço do eterno renascer... O berço da vida humana. Por isso cada um de nós foi feito de amor e por meio do amor numa doação coroada.

O amor é um sentimento lindo! Daí, por consequência, a sublimação na união de corpos, mistura de genes, transferência mútua de energias que nos renovam sempre o prazer de viver, além da multiplicação da espécie que nos confere o poder de criadores, um dos fins precípuos dessa união. O ato sexual propicia muito prazer, amainando as desigualdades do casal, ajudando a construir a almejada felicidade.

Compulsando compêndios de estudos médicos, certifiquei-me de que a mulher paraplégica conserva a condição de fertilidade, podendo plenamente engravidar, dar à luz e amamentar a sua cria.

O sexo não deve ser profano e o seu exercício chega a ser místico, feito uma cerimônia litúrgica. Afinal foi Deus o seu criador.

O desempenho sexual envolve o comando cerebral, medular e periférico, além das formas físicas do côncavo e do convexo.

Entretanto, sexo não significa apenas contato genital. Ele está muito mais na cabeça, no coração e no amor que engloba tudo isso. Há, ainda, a criatividade que nos aponta outros meios, outras maneiras de fazer amor.

Aprendemos a encontrar a essência do prazer de outras formas. Procuramos fantasiar e atentar para o que nos sobrou ileso, embora, nós mulheres, possamos satisfazer plenamente o parceiro, tendo em vista, anatomicamente, tudo se encontrar em forma, apenas sem mobilidade e sensibilidade tátil.

A mulher paraplégica deve usar a sabedoria. Arranjar sempre uma maneira para que o clímax fique melhor. O desejo de amar já é amor. Tudo se manifesta no olhar, no suor, nos olhos, nas lágrimas, no aconchego, no estar junto sem dizer nada, na divisão de um copo de suco, na chegada estampada em passos. Tudo ouriça e cativa, faz o querer sempre maior. Quando há o envolvimento, as portas vão se esgueirando à frente cheias de oportunidades, de fórmulas mágicas peculiares para encantar o leito do amor. O momento faz a hora.

Tudo está na maneira de pensar e na disposição para achar soluções. O contato físico, sexualmente falando, existe, sim, e bom, capaz de levar-nos à satisfação plena, o que eu costumo dizer: longe da terra e perto do céu.

O amor, esse tão lindo amor, não se dobra a obstáculos e não se curva às intempéries da estrada. Mesmo após as tempestades, ergue-se incólume e altaneiro. Há sempre encantamento na partilha!

Sexualidade da Palavra
(Genaura Tormin)

Dispo-me!
Mostro-me inteira.
Erótico está o coração.
Palavras quentes,
Fortes, emocionadas,
Desfilam faceiras,
Substituindo a forma desfeita
De um corpo mutilado.

No leito nupcial,
A poesia faz a festa!
Enrosca-se no orgasmo compartilhado.
A libido viaja pelo pranto,
Pelos compartimentos secretos,
Na verve do querer ouriçado.

Exponho minha nudez poética!
Faço amor,
Na sexualidade da palavra,
Que arqueja
Em carinhoso diálogo,
Dando forma, essência e vida
Ao ato sublimado.

O exercício do ato sexual propriamente dito, por vezes é condenado pelos familiares, sob a égide protetiva, com o ledo entendimento de que, por ausência de sensibilidade tátil, não mais significará prazer.

Os prestadores de cuidados também não nos incentivam nesse particular, por não sermos detentores dos movimentos físicos e da sensibilidade. É como se estivéssemos sendo condenados ao exílio. O crime: prazer sexual.

A sexualidade é parte inseparável do complexo denominado: SAUDE. Por isso são necessários estudos e nova mentalidade que qualifiquem os profissionais dessa área, além de literatura informativa, também para o paciente e sua família.

Referindo-me à mulher paraplégica que nada faz para resgatar com satisfação a sua sexualidade, ouso dizer que é falta de autoestima e até de autoconhecimento, porque estar deficiente não significa estar morta ou assexuada. A mente e o coração estão ilesos, prontos para viver uma linda história de amor.

O ato sexual envolve algo mais, além da penetração do membro viril. Se assim não o fosse, seria apenas fisiologismo. O ato de amar tem leveza, graça, ternura, afeto... Um pouco de céu passeando pela terra. “Temer o amor é temer a vida, e os que temem a vida já estão meio mortos”. (Bertand Russell)

Com uma lesão medular alta igual à minha (T-4), a ausência da sensibilidade é total. Não sinto sequer a penetração durante o ato sexual. Nesse momento, o coração ouriçado faz a festa. Viaja, alcançando píncaros, numa doação coroada. Veste-se de céu e faz morada nas estrelas. E eu me transmudo em tantas carícias! Posso fantasiar, soltar os laços, as peias e voar pelo infinito no calor compartilhado que me faz amada. Nessa hora, meu corpo fala todas as linguagens e vai a todas as paragens, pois não tenho porteiras nem cárceres. Posso dar e receber tanto, que a alma transcende a plagas de plena satisfação.

A natureza é sábia e transfere o prazer para outras áreas do corpo. Para minha satisfação, as axilas substituíram os enleios de prazer do órgão genital. Entre duas pessoas que se amam, no recôndito de quatro paredes, tudo é normal. O amor não tem receitas, determinações. Por que não procurar outros pontos eróticos que não nos deixem a ver navios? O importante é tentar encontrar o prazer na mente, no coração, no aconchego, numa encostadinha de rosto, num beijo... Amor é energia sublimada, sentida, transformada, às vezes, em silenciosas palavras, decodificadas pela ternura do olhar, pelo pulsar do coração enamorado.

“Cada qual sabe amar a seu modo; o modo, pouco importa; o essencial é que saiba amar”. (Machado de Assis)

Descobri que o beijo ficou mais gostoso, as carícias nos lóbulos das orelhas, no pescoço, nos seios, nos cabelos... Eu nunca havia pensado nisso antes. No meu livro, Pássaro Sem Asas, fiz esse relato e alguns leitores ficaram surpresos com a ideia de fazer amor nas axilas e até pesquisaram, comprovando a existência de prazer.

Restaram-me as axilas, por que não as experimentar? É uma preparação, antes da cópula propriamente dita, que me deixa feliz, que me faz mulher. O beijo mais vagaroso, mais profundo, mais silencioso, com exploração do palato, acompanhado da masculinidade e dos odores tão peculiares do parceiro, faz-me muito fêmea e emocionada, chegando a tremer o que resta ileso. Por isso, repito: a gente só fracassa quando desiste de tentar. Alegra-me parafrasear Aristóteles Onassis: todos os dias e me levanto para vencer!

Há pouca literatura sobre o assunto, alicerçada na realidade fática da mulher paraplégica, descrita sem rodeios por ela própria. Percebo que os profissionais de saúde longe estão de entender essa diversidade e valorizar o desejo sexual existente num corpo sem mobilidade, sem saber que ele reside, acima de tudo, na mente, no coração e no entrelaçamento de almas que apontam soluções dignas. A visão sempre exerceu e exerce papel importante em quaisquer relacionamentos. Ela pode ser exercida de várias maneiras. O cego, por exemplo, consegue determinar-se no espaço, reconhecer pessoas pelo som da voz e até captar-lhes o estado d’alma, ter predileções por cores sem nunca lhes haver visto o matizado. É uma percepção sensorial.

Nós mulheres temos privilégios. Nosso órgão genital é côncavo, próprio para o encaixe do membro masculino. Somos agentes passivas, recebedoras. Assim, a nossa maior parte fica por conta da criatividade, da ternura, da astúcia, do que só nós na condição de fêmea sabemos engendrar.

Cabe a nós cultivar a sedução, tornando-nos atraentes, agradáveis, entrando aí o uso de apetrechos externos, como lingerie, cremes, óleos e outros que ouriçam o desejo. Superar as crenças autolimitadoras é o exercício diário para a plenitude do nosso potencial diante da vida, incluindo a sexualidade, claro. O autoconceito benfazejo é o primeiro passo.

A gente tem que se amar. Se não amamos a nós mesmos, como poderemos amar ao outro ou permitir que sejamos amadas?

Partindo daí, vamos construir portas, abrir janelas e aproveitar todas as oportunidades que nos fizerem bem. A observação é o ponto de partida.

Se a paralisia não melhora, melhoremos nós. A dormência não vai regredir. A receita é transferir para outras áreas a sensação que sentíamos na genitália, além de procurar encantar-se com o parceiro, uma vez que a relação sexual jamais acontecerá plena, solta, bonita e sublime, sem um sentimento de admiração. Afinal, é a transferência mútua de energia que nos abastece, tornando-nos plenas, renovando-nos a felicidade do existir.

O amor é o mais exímio professor de todo o afeto, de toda a ternura e de todo o enternecimento que unem dois corações e consequentemente dois corpos. Não precisa de marketing, nem propagandas. O amor fala por si mesmo!

Realmente, Mario Quintana tinha razão quando disse: Deficiente é aquele que não consegue modificar sua vida, aceitando as imposições de outras pessoas ou da sociedade em que vive, sem ter consciência de que é dono do seu destino.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

IMPORTANTE PAPEL DA PONTE


O IMPORTANTE PAPEL DA PONTE
(Genaura Tormin)

Ponte significa ligação. É o elo que permite união. Há várias modalidades de pontes: de alvenaria, de madeira, de ferro, de concreto e muitas outras que a criatividade e a tecnologia possam apontar.

Mas, a ponte a que me refiro não tem formas concretas, é abstrata, absolutamente abstrata e amorável. Se não podemos ser fim, devemos, pelo menos tentarmos ser pontes: levar boas informações, ensinamentos, incentivos... Passar sempre uma mensagem que construa.

Tudo seria tão diferente se tivéssemos a consciência da necessidade de erigir boas pontes. Acredito que o mundo seria bem melhor: mais humano. Afinal somos seres carentes de afetividade em todos os sentidos. Precisamos nos amar mais. Precisamos repartir a afetividade que nos vai no peito.

O poder da palavra faz milagres ou desastres. Uma afirmação desairosa, negativa, às vezes pode destruir uma vida inteira. É bom ressaltar que o elogio é uma excelente maneira de conseguirmos impulsionar as pessoas na busca de seus objetivos. Corrija o erro, mas elogie o certo. Ajude! Há tanta gente, no seu rol de amizades, que talvez esteja precisando muito de uma palavra sua!

Precisamos construir caminhos para o sucesso, por meio de boas pontes, encorajando sempre: “você pode, você é capaz”! Afinal somos responsáveis pelas pessoas que formam o nosso próximo mais próximo e até por aquelas com quem mantivermos algum diálogo. É tão bom vê-las conquistando divisas, palmilhando melhores caminhos.

E pensar que pudemos dar uma minúscula ajuda de incentivo... Quantas não sabem aonde ir ou não vão por não acreditarem em si mesmas. Dê a elas um pouco de fé. Aja enquanto é tempo. Dê a si mesmo a satisfação de estar sendo útil na construção de um mundo melhor.

Há, ainda, as pessoas que auto se vitimam, registrando problemas que não existem ou que poderiam ser vistos de outra forma. Aliás, os problemas só são reais quando nós os registramos como tais. Somos nós que os criamos e os damos tanta importância.

Depois, tudo é resolvível! Basta que a mente esteja direcionada à sua resolução e o agir enquadre-se dentro do código da honestidade, respaldado pelo princípio: “Não faça aos outros o que não gostaria que fizessem a você”.

É preciso que usemos a nossa força interior na construção de castelos, de torres de solidariedade humana.

Por que destruir se podemos erigir? Não há ninguém, que não tenha potenciais. Todos são capazes de crescer. Basta acharem o caminho, a ponte, ou alguém que os mostre, que os conduza, que os faça reconhecer que têm capacidade.

Tudo que falamos ou fazemos repercutirá nos quatro cantos do mundo, modificando sempre alguma coisa. Por isso procure plantar uma boa semente. Antes de passar uma mensagem à frente, submeta-a ao crivo de sua consciência, perguntando sempre: ajudará alguém? Será que poderei construir? Quantos lerão a sua mensagem, a qual se multiplicará conforme a individualidade e maturidade de cada um.

Seja responsável e satisfaça-se em ver que os outros ao seu redor estão ascendendo rumo ao bem. Lembre-se do sândalo que perfuma o machado que o corta; da abelha que fabrica o mel para o deleite dos outros. E você que pode fazer tanto, construir tantas pontes, jamais poderá eximir-se desse trabalho.

Entre os seus feitos, talvez seja esse o mais significativo e o mais digno nessa caminhada terrestre. Exercite o seu papel de boa ponte! Quando fazemos o bem, recebemo-lo sempre de volta de outras formas.

Quantas vezes personificado, materializado, abstrato... Mas, o certo é que a gratificação por uma boa ação, mais cedo ou mais tarde, baterá à sua porta.

O bem é o gestor de felicidade. Não se esqueça disso!
Seja uma boa ponte!
No final, não se assuste se for você a pessoa mais feliz, pois há mais felicidade em dar do que em receber.

domingo, 12 de setembro de 2010

AMOR CONSCIENTE



AMOR CONSCIENTE
(Genaura Tormin)

A vida se conta pelos anos,
Pelas experiências...
Pelo plantio e pela colheita...
É uma construção em terreno árido.

O arroubo da paixão
Dispersa-se pelo caminho,
Em retalhos esquecidos,
Levados pelo temporal.

Em troca,
Um amor maduro,
Consciente.
Companheiro,
Alicerçado
Em cuidados, respeito,
E muito aconchego.

Encanecem os cabelos,
Muda-se a silhueta.
Mórbidos,
Arquejam os desejos.
A labareda já não existe,
Apenas a brasa moribunda
Continua alerta, de sentinela.

Pela janela,
O horizonte tão longe,
Tão distante,
A esculpir a história
De um GRANDE AMOR.
Um filme para reviver!
_______________
Alfredo, querido, hoje é o seu aniversário!
Parabéns! Que Deus o ilumine e o proteja sempre, sempre, conservando-o por muitos e muitos anos entre nós, como esteio dessa família que o ama demais.
Beijos da sua mulher
Genaura Tormin

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

ACESSIBILIDADE E TRABALHO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA



ACESSIBILIDADE E TRABALHO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
(Genaura Tormin)

“Sem pátria acessível e inclusiva, a democracia para as pessoas com deficiência de todos os Países, é impossível.”
(Luis Fernando Astorga)

O trabalho remonta aos tempos do homo sapiens, ao tempo das cavernas, por estar ligado à sobrevivência. E para nós significa dignidade, além de uma verdadeira terapia ocupacional que nos devolve o sentimento de utilidade. É a oportunidade justa para provar que poderemos ser, não apenas força produtiva, mas força transformadora, aumentando a esperança num País justo e progressista, diminuindo-lhe os problemas sociais, além de servirmos também de motivação e incentivo aos muitos “paralíticos andantes”, que se alicerçam numa ociosidade crônica para nada fazerem ou mal fazerem.

A Constituição Federal de 1988 concedeu direitos à pessoa com deficiência, abrindo-lhe mercado de trabalho, permitindo-lhe participar do processo econômico, político e social do País que lhe serviu de berço.

A acessibilidade, condição indispensável para que possamos viver com dignidade, é a principal porta, pois, precisamos nos mostrar e exercitar o nosso caminhar, dar a nossa participação de trabalho. É a acessibilidade que garante o pleno exercício de direitos. Hoje a deficiência significa um conceito em evolução, que resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras relativas às atitudes e ao ambiente que impedem a sua plena e efetiva participação na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, segundo a Convenção Internacional das Pessoas com Deficiência, ratificada pelo Brasil.

Há legislação que garante o exercício desse direito, abrindo caminhos para melhorar a acessibilidade a todos os lugares:
A Lei n. 7.853, de 24 de outubro de 1989, regulamentada pelo
Decreto n. 3.298, de 21 de dezembro de 1999;
Lei n. 10.048, de 08 de novembro de 2000;
Lei n. 10.098, de 19 de dezembro de 2000,
e no Decreto n. 5.296, de 02 de dezembro de 2004;
Lei n. 10.226, de 15 de maio de 2001;
Lei n. 11.126, de 27 de junho de 2005, e
Decreto n. 5.904, de 21 de setembro de 2006.

Toda essa legislação estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida, mediante a supressão de barreiras e de obstáculos nas vias, espaços e serviços públicos, no mobiliário urbano, na construção e reforma de edifícios e nos meios de transporte e de comunicação.

Da mesma maneira que se preparam as crianças para a vida, por meio da escolaridade, o Estado/tutor deveria propiciar às pessoas com deficiência, além da escolaridade curricular, a educação profissional que as introduzirá no mercado de trabalho, sem ter que ficar sob o jugo do assistencialismo que camufla a capacidade.

A pessoa com deficiência preocupa-se muito em mostrar competência e conquistar respeito pelos próprios méritos. Por fazer parte da diversidade da vida, enfrenta muitos preconceitos. Sua estampa carrega o estigma do temor, da piedade, e quase nunca o do respeito.
Embora o desafio seja o alvo para criar consciência popular, há muito ainda a desejar.

Pouco se conhece do slogan "Oportunidades iguais para todos" ou "Tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida em que eles se desigualam".

Tem-se que ser imbatível para conquistar aceitação e mercado de trabalho, pois o desconhecimento social e a falta de acessibilidade significam grandes barreiras.

Trabalho é saúde, é progresso. Cabeça vazia é sempre “oficina para o diabo”. E a ociosidade é um chamariz para as enfermidades mentais, redundando, muitas vezes, em depressão, suicídio e tristeza para a família e amigos.

Nas edificações de logradouros públicos, quase nunca somos consultados quando de sua feitura, especialmente quanto aos banheiros, onde há certas peculiaridades e a necessidade de usá-los é vital para o ser humano. Nem os banheiros dos hospitais são construídos para nós. O improviso tem sido o nosso lema, acompanhado, é claro, de tristeza e constrangimento.

Cálculos demostram que os custos financeiros da construção de uma obra adequada e com acessibilidade às pessoas com deficiência, ou melhor, a todas as diversidades, ficam acrescidos, apenas, de 2%.

Apesar de integrar um grupo vulnerável, geralmente relegado à exclusão e exposto a concepções desprezíveis, a pessoa com deficiência física, devidamente inserida num local de trabalho sem barreiras que lhe impeçam o caminhar, produz, cria e se evidencia em competência, auxiliada pelo desafio que se insinua garboso. Essa segurança reflete na sua qualidade de trabalho e, consequentemente, de vida.

Oferecer chances para que todas as pessoas possam desenvolver suas potencialidades, respeitando as diferenças é um compromisso com a ética na redução das desigualdades sociais, em prol da ordem, da paz e do progresso da nação.

Delegada de polícia, pode?
Pois é, exerci com galhardia, dedicação e competência esse cargo, embora do alto de minha cadeira de rodas. Hoje estou no Judiciário Federal e me sinto honrada de emprestar minha cota-participação de trabalho ao meu País.

Relembrando o início dessa militância, em condição até então inusitada e num cargo tão difícil e complicado, vai aí um pequeno relato daquele tempo em que o desafio pautou a minha vida, fazendo-me forte a qualquer embate.

Gerindo os destinos de mim mesma, ia armazenando segurança no começo de uma nova vida. Reunia todas as migalhas que considerava útil e com elas construí uma fortaleza. Alçava meus voos domésticos, progredia no trabalho e ficava satisfeita com o reconhecimento popular. Era comum alguém do povo exclamar: — Vi a senhora na televisão, mas não sabia que era paraplégica. Que pena!

O cinegrafista não focalizava a cadeira de rodas durante as informações que, por vezes, tinha que prestar em frente das câmeras sobre trabalhos presididos por mim na delegacia. Talvez quisesse demonstrar-me um gesto de carinho.

Certa vez, expliquei-lhe que a cadeira fazia parte. Não podia locomover-me sem ela e não tinha o menor constrangimento. Afinal era o meu jeito de andar.

— São as minhas pernas de aço, os meus nervos inquebrantáveis... Pode mostrá-los ao público. Não me menosprezará por isso.

A repórter que ouvia as minhas explicações, para justificar diante das câmeras, revelou ao telespectador que eu era uma deficiente de cadeira de rodas, e, em seguida, dirigiu-me a palavra:

— Como a senhora pode exercer o cargo de Delegado de Polícia, numa cadeira de rodas?

Com o meu instinto poético e tentando ser abrangente na resposta, também, às muitas perguntas que me haviam sido feitas pela vida afora, expliquei:

Quero dizer a vocês,
Que a mente não está nos pés,
E aqui, na minha cadeira,
Trabalho por mais de dez.

Quem me conhece, já sabe
Da minha capacidade,
Não me curvo por besteira
E luto com hombridade.

Mato a cobra e mostro pau.
Medo, não tenho não!
Já mandei prender bandidos,
De estuprador a ladrão.

Lembro-me do grande Franklin,
Dos Estados Unidos, presidente,
Em tempos reacionários,
Exemplo pra muita gente.

Por isso estou aqui,
Em condição inusitada,
Pois sei que neste Planeta,
Não tem uma delegada

Numa cadeira de rodas,
Que seja capacitada,
Faça inquéritos e flagrantes
Numa Especializada.

Mente sã é corpo são,
Por isso não tenho nada,
Sinto-me com pernas fortes,
Numa cadeira sentada.

Na rua dirijo carro,
Faço compras e viajo,
Trabalho, leciono e nado.
É só questão de estágio.

Para os que não me conhecem,
É essa a informação,
Moradores da cidade
E outros que aqui estão.

“Ninguém pode chegar ao topo armado apenas de talento. Deus dá o talento; o trabalho transforma o talento em gênio.” (Ana Pavlova)

Assim matei a curiosidade do telespectador, mostrando-me por inteira, sem reticências.
Depois desse episódio, foi-me crescendo o desejo de abrir as portas ao público, não só no meu trabalho, mas na minha intimidade depois da paraplegia. Senti que o povo nada sabia sobre pessoas com deficiência, razão por que as julgava inválidas, como se a cabeça estivesse no dedão do pé, devotando-lhes, ainda, desairosa compaixão.

Eu, também, quando andava, nada sabia sobre paraplégicos. Nunca parei para pensar. Eram coisas alheias ao meu convívio. Deixa pra lá! Estava muito ocupada com os problemas, os sucessos e enleios da vida. Não transava o assunto, assim como a maioria da nossa gente. Jamais imaginei que a sensibilidade tátil ia de embrulho, por acréscimo. Realmente, o pior só acontece aos outros, nunca à gente!

O desejo foi crescendo, crescendo, tomando formas, amadurecendo, e embora tivesse que desvestir a dor para erigir marcos benfazejos em defesa do porvir, escrevi PÁSSARO SEM ASAS, que surgiu radiante, feito uma cartilha de amor à vida, para ajudar outras vidas, abrir caminhos e falar de possibilidades, de desafio e de muitas conquistas.

Hoje há uma consciência popular maior sobre a acessibilidade e mercado de trabalho para pessoa com deficiência.

O Tribunal onde trabalho é servido por rampas, e tenho um banheiro decente que atende às minhas limitações.

Tenho tido dificuldades para entrar nos banheiros dos hotéis durante as viagens. Aí a criatividade e o improviso se encarregam, preocupando-me para não ficar triste. Às vezes, lavo o rosto com toalha molhada, fico sem tomar banho, lavo as axilas, as partes íntimas [risos]... Tendo o marido por perto, tudo fica fácil, embora não deixe de reclamar (da falta de adaptações) para criar consciência popular. Não me constranjo em subir escadas nos braços de alguém.

Faço isso para que outras pessoas vejam. Pode ter ali um futuro arquiteto, um futuro engenheiro, solo fértil para o plantio da semente.
Para executarmos uma tarefa, é lógico que precisamos dos apetrechos inerentes à sua feitura. E nós, paraplégicas, precisamos de pernas de roldanas para substituir o nosso caminhar. “É o faz de conta”. É a condição sine qua non para irmos à vida, para sermos produtivas.

Contudo, é muito triste vermos colegas com deficiência, em cujas cadeiras de rodas há tarjas indicando em letras grandes que foram doadas. Abomino tal conduta, a qual se enquadra como ato típico perfeito de roubo da dignidade. E dói muito quando feita pelos governantes, que apenas administram as receitas oriundas dos nossos impostos e têm por obrigação o soerguimento social.

Se uma pessoa com deficiência precisa de uma cadeira, tem de pagá-la com o ônus da humilhação. Fica mais cara do que uma cirurgia de grande porte, pois a ferida não sara, ficando sempre à mostra para o escárnio dos que passam por ela. Mais um conceito negativo estampado do respaldar de sua cadeira.

Digo isso no sentido de mudar mentalidades na construção de um mundo melhor, onde possamos, realmente, fazer parte como indivíduos produtivos, integrantes da nação.

Oxalá possamos algum dia comemorar “Um Brasil onde todos os brasileiros tenham oportunidades de desenvolver as suas potencialidades e realizar os seus sonhos. Um Brasil sem preconceitos, que não discrimine nenhum dos seus filhos. Um Brasil decente”. (Luís Inácio Lula da Silva)

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

A FORÇA DO BEM



A FORÇA DO BEM
(Genaura Tormin)

Todos saíam da sala, apertando-se na porta que dava para um comprido corredor, apinhado de alunos de outras turmas. Era a hora do intervalo (recreio). Muitos procuravam a cantina para, além de um lanche, uma descontração com outros colegas e até uma chegada à biblioteca para alguma consulta jurídica.

Na sala de aula, agora, praticamente vazia, ficamos nós, eu e o marido, além do professor que à mesa consultava o diário de classe. Para nós, o descanso ali seria mais proveitoso, pois antes tínhamos tido uma jornada de trabalho extenuante, conciliando com as tarefas domésticas, filhos pequenos e trabalhos escolares. Uma ocasião propícia para acertos de algumas pendências.

De repente o professor dirigiu-nos a palavra, perguntando-nos sobre a nossa profissão.
_ Sou odontólogo e minha mulher é servidora pública estadual. Para acompanhá-la, ambos estamos fazendo o curso de Direito. As matérias são bem adversas, mas estou gostando muito.

Foi aí que ele nos falou sobre um dentista que, repentinamente, passara a ouvir vozes e ter visões no próprio consultório, embora não professasse nenhuma religião atinente. Isso era notório e todos sabiam naquela época. O dentista incorporava o espírito de um médico e passara a fazer tratamentos, com êxito. Isso o forçara a atender publicamente muitos pacientes que se enfileiravam para as consultas. Seria uma missão?

O assunto era tratado até pelos órgãos de comunicação de massa. Um fenômeno inexplicável aos olhos do leigo. Nós também nada sabíamos sobre isso, uma vez que eu era egressa de um colégio de freiras, onde morei durante nove anos, e o Alfredo provinha de uma família tradicionalmente católica.

Aproveitando da oportunidade, o mestre contou-nos uma história que até hoje a guardo na mente e no coração.
Aqui, usarei nomes fictícios, com o objetivo de resguardar identidades e facilitar a intelecção.

Disse-nos, ele:
_ Sempre fui uma pessoa sagaz, inteligente e perquiri os meus objetivos com afinco. Considero-me um homem realizado, embora alguns acidentes de percurso que, hoje, sei que serviram ao meu aprimoramento, à evolução do meu espírito.

Galguei os píncaros de minha carreira, cumulando-a com o magistério, do qual gosto muito. Pelo cargo conquistado, sentia-me apoderado no cume da pirâmide, quase acima do bem e do mal. Para completar, um lar bem estruturado e a importância do destaque social.

Entretanto uma dor cravara-se no meu peito, dilacerando-me a alma: um filho, com paralisia infantil, com grande comprometimento. Aos filhos amamos mais do que a nós mesmos. Tudo fizemos para tentar amenizar a situação, mas não foi possível, nem mesmo no Exterior. Isso era o calcanhar de Aquiles para toda a família que sofria unida. E o menino crescia, debulhado em sorrisos e sem reclamações, acostumado às amarras de seu viver físico, sem nenhuma perspectiva que pudesse lhe devolver os passos, o caminhar pela vida, como as demais crianças de sua idade.

Ao deixá-lo na escola, era-me doloroso sentir os olhares piedosos ou assustados dos coleguinhas e de adultos também. Ele, praticamente não andava, arrastava-se feito uma arranha ou um monstrengo. Eu sempre voltava arrasado, impotente e cheio de porquês. Como gostaria de trocar de lugar com o meu filho! Entretanto, o meu poderio, a minha inteligência, o pedestal de minha carreira, eram incapazes para devolver ao meu filho a condição de andante, embora ele nunca a tivesse experimentado. Não conhecesse a liberdade de ir e vir por meio da agilidade dos passos. Jamais conheceria o prazer de jogar bola, andar de bicicleta, praticar esportes...

Um dia, ao retornar a casa, após exaustivas audiências, minha mulher falou-me sobre esse dentista que, inexplicavelmente, estava fazendo curas, através do espírito de um médico desencarnado, chamado Dr. Manuel.

Avesso ao tema, tentei persuadi-la a não acreditar nesses boatos, não obstante o protagonista fosse uma pessoa qualificada, do ponto de vista científico. Após alguns dias de muita insistência e tendo em vista o alvo do pedido ser o nosso filho, Lucas, aceitei que ela marcasse uma consulta com o tal médico desencarnado que, agora, já atendia num local maior, dado o grande contingente de pessoas que o procurava.

Meio sem jeito e um tanto envergonhado, compareci no dia e hora marcados, porém, sem qualquer identificação. Já pensou o que diriam os meus pares?

Adentrei num ambiente simples, limpo, com modesta aparelhagem médica: o consultório do Dr. Manuel. Sem delongas e nenhum aparato, contei a história do meu filho e a nossa desvairada busca para que ele ganhasse um pouco de independência para viver.

O médico, que na verdade era o dentista, num linguajar erudito e conhecedor, falara-me de muitas outras coisas, menos da situação do Lucas, a qual era o motivo de minha ida ali. De tudo o que falou, ficou bem registrado a força do bem, o amor ao próximo e a caridade, como estandartes de nosso compromisso nesta vida. Aguardando o desfecho final, quando ele, certamente, falaria sobre o Lucas, fui convidado a sair, pois minha hora havia se esgotado.

À direção do carro, de volta para casa, senti-me como se fosse uma pessoa com retardo mental. Um idiota mesmo. Logo eu que me reputava tão cético, tão preparado, tão arguto! Queria esquecer daquele episódio. Pensei em não dizer a Mônica que havia estado com o tal médico, mas não podia fazer isso. Afinal ela era minha mulher, a outra metade de mim e esperava a resposta ansiosa. Era uma mãe aflita em defesa da cria. Sem esconder a minha decepção, relatei-lhe a infrutífera consulta ao tal médium dentista, selando, finalmente, que deveríamos nos esquecer definitivamente daquilo. Era, no mínimo, ridículo.

Algumas semanas depois o meu carro acusou um sério problema, embora fosse relativamente novo. Por isso teve que ficar na revisão por mais de uma semana. O jeito era usar o táxi, ao que a Mônica sugeriu que eu fosse apanhá-lo no ponto, há poucos metros de nossa casa, por que assim tomaria um pouco de sol. Anuí e segui caminhando pela rua de nossa casa, que estava solitária e o sol brilhava, iluminando as árvores e os carros parados. A brisa era amena, fagueira, e o céu de um azul encantador. A primavera desabrochava nos jardins e nos flamboyants nas calçadas. Eu não costumava andar a pé por ali. Praticamente não conhecia a vizinhança, excetuando-se poucos cumprimentos formais.

De repente os meus olhos identificaram um menino, de uns 11 anos talvez, sentado numa cadeira de rodas, no alpendre de uma das muitas residências, o qual sorria para mim, emitindo sons guturais, acompanhados de descontrolados e retesados gestos. Percebi que o garoto possuía esclerose cerebral. Como não havia ninguém para nos observar, parei na rua, defronte do solitário alpendre e tendo em vista o excesso de alegria do menino, não podia mesmo olvidar, ocasião em que lhe tentei dar um pouco de carinho, também por meio de gestos. Sorri, gesticulei e vi que ele se alegrava com o meu afeto. Os seus olhos brilhavam, excitados. Na mente, viera-me a imagem sorridente do Lucas.

No dia seguinte, a cena se repetira do mesmo jeito e nas mesmas condições. Comecei a pensar no garoto e devotar-lhe afeição, até que chegou a sexta-feira, último dia em que apanharia o táxi. E lá estava o menino, a cada dia mais alegre. Mesmo sem ele entender a minha linguagem, nem eu a dele, já éramos amigos. Eu sempre me surpreendia sentindo saudades e desejando revê-lo.

Para surpresa, um senhor saiu do interior da residência e cumprimentou-me de maneira cortês. Nas mãos tinha um embrulho que, pelo formato, parecia tratar-se de um livro. Falou da alegria do filho e da espera todos os dias por minha visita.

_ Doutor, quando chega esse horário ninguém detém o Arthur no interior da casa. Gesticula, emite sons, fica impaciente, até ser trazido para o alpendre, na esperança de ver o senhor. Notamos que esse encontro é muito importante para ele. Tem-lhe feito muito bem. Por isso eu, na condição de pai, agradeço-lhe muito.

Era um senhor simpático, feliz, de sorriso farto e linguajar brando e afetivo. Não obstante as minhas escusas, terminei aceitando o presente, agradeci e sem outros comentários, segui até o ponto de taxi. No Tribunal, guardei o embrulho na gaveta, ainda lacrado. Tratava-se de um dia exaustivo, com audiências complicadas.

Meses depois, finalizado o trabalho daquele dia, e restando ainda boa parte da tarde, tive uma sensação de vazio e, aleatoriamente, lembrei-me do livro. Era uma boa oportunidade para vê-lo, pelo menos o título, o tema... Qual não fora a surpresa ao constatar que se tratava de tudo que o Dr. Manuel (o dentista) havia-me falado, quando lá estivera a procura de lenitivo para o meu filho. O título era A FORÇA DO BEM, escrito por Diamantino. Comecei a folheá-lo e terminei por lê-lo, o que fiz, posteriormente, muitas outras vezes.

Iniciava-se aí a construção de uma nova concepção do BEM e o maravilhoso valor de servir, independente de qualquer recompensa. Simplesmente o BEM pelo BEM. Isso, a cada dia, ia tomando formas e lapidando o meu ser, aparando-me as arestas. Fui fazendo tentativas para abater a arrogância, a supremacia de que pensava ser dono, e melhorar a convivência com os meus alunos, secretários e serviçais, tratando-os com respeito e carinho. Melhorar a convivência comigo mesmo, fazia-se necessário. Era uma faxina interior e silenciosa, entretanto, logo notada por minha mulher. Era o início de uma transformação interior em busca de um NOVO HOMEM.

Certo dia, por acaso, encontrei um amigo, o qual me dissera que estava participando de um trabalho de reconstrução de casas de pessoas da periferia, que haviam perdido os seus lares por causa de enchentes, que à época castigavam a nossa cidade. Perguntara-me se eu queria juntar-me a eles para ajudar nos fins de semana. Fiquei um tanto assustado em me prestar a serviços de tal natureza, mas no meu coração, o ensimesmado juiz já não era o mesmo.

A solidariedade do colega e o desejo de servir me contagiavam. Realmente era a FORÇA DO BEM. Era chegada a hora de eu também me alistar como recruta. Uma sensação de paz tomou-me a alma. E eu me ofereci com prazer, como se tivesse tentando adquirir outro diploma de doutorado. Comecei a sentir algo diferente que, depois, vim a saber chamar-se FELICIDADE.

Assim, parti firme e resoluto para o exercício de outro ministério, agora com o lacre do amor espontâneo que me conduziu a reformular os meus valores, dando-lhes essência, cor e vida. Revelei-me um excelente ajudante de pedreiro. Não só isso. Os colegas costumavam dizer que eu era “PAU PARA TODA A OBRA”.

Era uma grande satisfação servir naquela frente de trabalho, vendo os barracos serem reerguidos e as famílias abrigadas do frio, do vento, da chuva, do tempo... Quantos inocentes!!! Quanta pobreza! Seres humanos! Minha vida tomou um novo sentido e eu me tornei um novo homem. Tudo pela FORÇA DO BEM.

O tempo passava veloz e tudo seguia com suas traves, entraves e muitas alegrias. Um dia Mônica acordou mais cedo do que o de costume e, ainda na cama, contara-me que havia tido um sonho inesquecível, passando a narrá-lo:

_ Sonhei que estávamos num hospital. Parece que esperávamos uma consulta para o Lucas. Estávamos sentados em poltronas defronte de uma sala de cirurgia, identificada acima por letras grandes. De repente a porta abriu-se e de lá saíram dois médicos. Não eram nossos conhecidos. Ouvi bem quando um deles, ainda tirando a máscara cirúrgica que lhe tapava a boca, comentou com o colega: “a solução do problema daquele menino está aqui, apontando para a Sala de Cirurgia”. Ainda guardo a cena e o olhar do médico direcionado ao Lucas. Não é incrível, Marcos?

Quem sabe deveríamos levar o Lucas para uma consulta com o Dr. Jeovane? Já faz algum tempo da última estada nossa lá. Na semana passada eu o encontrei no elevador, o qual mandou recomendações para você e perguntou pelo nosso filho.

Marcamos a consulta, para nova revisão do Lucas, com o médico ortopedista, Dr. Jeovane, que há anos o assistia. O médico, renomado por seu excelente trabalho, reafirmara-me que a paralisia infantil (poliomielite) era irreversível, particularmente no caso do Lucas, mas ia passá-lo aos cuidados de um médico recém-formado que fizera estágio num hospital especializado em Brasília e que agora estava trabalhando naquela clínica.

Após a abordagem clínica e a feitura de muitos raios-X, o médico – Dr. Tadeu – dissera que se poderia tentar melhorar a postura do garoto, mas que isso demandaria uma série de cirurgias, pelo menos umas seis cirurgias, feitas paulatinamente ao longo do tempo. Era uma luz no fim do túnel e eu fiquei contente.

No dia e hora marcados, lá estava eu com o Lucas. O amor invadia-me a alma e saía pelos poros. Acho que fumei todos os cigarros do mundo. Um enfermeiro veio depilar o pezinho do Lucas, onde seria realizada a intervenção cirúrgica. Atento ao trabalho, pedi ao enfermeiro que fizesse a depilação completa, ao que ele quis se negar, uma vez que a operação seria realizada apenas no pé. Usei de autoridade e fi-lo cumprir o meu pedido.

À porta do Centro Cirúrgico, eu esperava impaciente, mas convicto de que alguma melhora se registraria em prol da liberdade do meu filho. Muitas horas se passaram, até que vi a porta se abrir e de lá saírem os dois médicos, com agradáveis expressões faciais.

_ A cirurgia foi um sucesso!! E como já estava tudo preparado, depilado, propício, e as condições favoreciam, fizemos as seis intervenções cirúrgicas. Agora é esperar o pós-operatório e a convalescência. Vamos torcer!! Alguma melhora virá!

E para concluir a história, o mestre nos disse em tom vitorioso:

_ Hoje, meu filho ANDA ERETO como qualquer um ser humano! ELE, E EU TAMBÉM!
__________________________

O bem é contagioso!
Essa história também aparou algumas pontas, algumas agulhas que empobreciam a escritora deste texto. Até hoje tento me lembrar e enaltecer A FORÇA DO BEM.
Oxalá você, leitor, possa também se juntar a nós!

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

AVE, GENAURA....



“Ave, Genaura...
(Verônica de Nazareth)

Ave, César...Ave, Genaura, “Imperadora” da sua vontade, (re) criadora da sua própria vida, com a propriedade e a força que, às vezes –e muitas vezes-, falta em tantas pessoas que nem são “tocadas” pela pseudofatalidade como ela foi. E, que Guerreira e Grandiosa, se fez alada para sobrevoar a todos os lugares e recantos, onde suas pernas físicas já não mais permitiam...

Ave, César, por certo era o máximo de reverência, encerrando respeito. Ave, Genaura, é, sem dúvida, o mínimo que minha admiração, carinho e amor-amigo pode expressar diante da emoção profunda ao acabar de ler Teu “Pássaro sem Asas” que na verdade, é o mais alto, corajoso e sólido vôo de quem mesmo com “asas/pernas” feridas, num esforço (quase) sobre-humano, impulsiona tudo o que resta e decola, Guerreira e Grandiosa, rumo ao infinito das possibilidades criativas, fortemente alicerçadas na vontade de continuar e de vencer.

Então, Ave, Genaura...Ave! Que ao leres estas palavras, me imagines na “postura vertebral” correta, braços estendidos dizendo Ave, Genaura, ao mesmo tempo em que o gesto encerre todo o meu sentimento por ti –que já era lindo, profundo e sincero- agora revestido de um novo e especial brilho. O brilho que tu refletes, com tua história de luta, dedicação, obstinação positiva, entrega total à vida quando ela te “passava uma rasteira” e conseguia te fortalecer ainda mais.

Genaura, dessa “rasteira” e da dor decorrente, conseguistes sublimar a dor e a impotência, tão comuns no ser que se “apequena” diante dos reveses da vida. E, como belamente poetas em “Sublimação” –constante do livro à página 62-, destaco alguns versos, os que creio, “te resumem” em atitude e ação corajosa, que fizeram Toda a Diferença, para teres continuado a Ser verdadeiramente, e cada vez mais Ser...e Ser... e Ser a Pessoa, Mulher, Poetisa e Profissional que és.

Enfim, o Ser em Essência Efervescente a “entrar e correr” pelas veias da emoção de quem te conhece a alma... Eis meu destaque do teu belo poema-perfil e síntese das gotas mágicas que sorvestes para te “re hidratar” e continuar sendo Belamente Inteira e Intensa:

“Viver,
(...)
Sofrer,
Resistir.
(...) ...
Sublimar para não sofrer,
Diante do que não se pode mudar.”

Para sempre amizade, carinho, amor fraterno e Ave, Genaura, Mulher Exemplo Inesquecível!
...Only You (midi) traduz a “figura” capaz e a capacidade de um Renascimento tão pleno...

Veronica de Nazareth-Noic@
Santa Fé do Sul - RG
_________________
Obrigada, Verônica! Não mereço, mas fico tão contente! São os seus olhos e o seu coração que me veem assim. Essas menções de afeto aumentam-me as forças, a fé e coragem para seguir adiante. Obrigada!!!!!
Beijo grande da
Genaura Tormin

LEVE, LIVRE & SOLTA!


Sejam bem vindos!
Vocês alegram a minh'alma e meu coração.

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Era uma luz no fim do túnel e eu não podia perder.
Era a oportunidade que me batia à porta.
Seria uma Delegada de Polícia, mesmo paraplégica!
Registrei a idéia e parti para o confronto.
Talvez o mais ousado de toda a minha vida.
Era tudo ou NADA!
(Genaura Tormin)



"Sou como a Rocha nua e crua, onde o navio bate e recua na amplidão do espaço a ermo.
Posso cair. Caio!
Mas caio de pé por cima dos meus escombros".
Embora não haja a força motora para manter-me fisicamente ereta, alicerço-me nas asas da CORAGEM, do OTIMISMO e da FÉ.

(Genaura Tormin)