DIFICULDADE VIRA PROBLEMA QUANDO SE REGISTRA COMO TAL(Genaura Tormin)
“Não se deve dar ao homem o que ele pode conseguir com o fruto do seu trabalho, sob pena de roubar-lhe a dignidade”.
Não sei em que li tão bela frase, mas o seu significado
impregnou-se em mim. Bom seria se fosse entendida e executada por boa parte da sociedade, principalmente aquela que detém o poder, dá as ordens,põe as cartas.
Assim, abrir-se-iam várias frentes de trabalho específicas
para a pessoa com deficiência, qualificando-a para tal.
Por outro lado, é preciso que sejamos ousados, destemidos, corajosos,
para reconhecer os nossos potenciais e igualar-nos competitivamente
no mercado detrabalho, de acordo com a nossa capacitação, ao invés
de nos escudar sob a deficiência, arrancando sentimentos de compaixão e
aumentando os problemas sociais, além de conferir a nós mesmos
um estado de subserviência, dependência ehumilhação.
Lembro-me de uma ocorrência policial, cuja reclamação era de que um homempassava o dia inteiro na porta de um bar, jogando cartas, bebendo e mexendo coma s mulheres que por lá passavam. Intimado, admoestado e concitado a arranjar um emprego, o homem, para mostrar a sua deficiência, cruzava insistentemente as pernas, deixando à vista uma delas que era complementada por um pedaço de madeira.
Como me mostrasse indiferente à sua exibição, ele usou da palavra
sem perceber que eu ocupava uma cadeira de rodas, atrás da mesa.
— A senhora não vê que sou inválido, como posso trabalhar?
Dei uma derivada na cadeira e mostrei-me por inteira,
acentuando as advertências.
— Por que sua deficiência física não o impede de fazer arruaças,
dirigir palavras obscenas aos que passam para o trabalho?
Aqui, ela não será fator impeditivo para que o senhor seja preso.
Dou-lhe um mês para arranjar emprego.
Doravante estará vigiado por nossos policiais. Se persistir fazendo arruaças, não se engane, mandarei prendê-lo! Sua deficiência é insignificante para tanta ociosidade!
O homem nada mais disse. Dias depois, lá retornou espontaneamente,
acompanhado de um senhor, dono de uma frutaria, que o havia empregado.
É uma questão de cultura popular. O próprio deficiente, por vezes, acha-se incapaz. Acomoda-se, esquivando-se de lutar pelo seu espaço, pela sua independência,
com medo de ser rejeitado.
A mídia também tem culpa nisso, pois se preocupa em mostrar quase sempre o coitadismo, a invalidez, a miséria, a lamúria, e nunca a superação de problemas.
Como formadora de opiniões, deveria investir no ser humano,
despertando sua capacidade, incentivando-o à luta, valorizando o
trabalho executado com os órgãos e membros que restaram ilesos
ou mesmo deficientes.
Talvez não saiba da função tutelar do Estado, faltando aí, também, um pouco de sensibilidade.