PLANTIO

PLANTIO
PLANTIO
(Genaura Tormin)

Deus,
Senhor dos mares e montes,
Das flores e fontes.
Senhor da vida!
Senhor dos meus versos,
Do meu canto.

A Ti agradeço
A força para a jornada,
A emoção da semeadura,
A alegria da colheita.

Ao celeiro,
Recolho os frutos.
Renovo a fé no trabalho justo,
Na divisão do pão,
. E do amor fraterno.

domingo, 3 de outubro de 2010

LANÇAMENTO DE PÁSSARO SEM ASAS EM RIO VERDE-GO



LANÇAMENTO DE PÁSSARO SEM ASAS EM RIO VERDE-GO
(Genaura Tormin)

Como relembrar é viver, publico aqui o discurso de lançamento da 3a. edíção de Pássaro Sem Asas (hoje já está em 6a. edição), na cidade de Rio Verde, em 1998. Quanta saudade! Penso que tudo isso ficará registrado na memória do tempo e na cela do meu coração.

Senhores e Senhoras,

Para mim é muito fácil e prazeroso assumir todas as idades, todos os papéis. Mas, este de paraplégica não estava no script. Apesar de esquisito, estou tentando sair-me bem.

Agora, não pulo corda, não chuto bola, não ando de bicicleta... Recebi uma dura sentença por crime que não cometi nesta vida. Mataram minhas pernas em mim. Poderia tê-las usado muito mais vezes! Poderia ter andado descalça, feito grandes caminhadas, pisado na grama, na areia, no barro... Poderia ter evitado veículos...

Enfim, poderia ter usado muito mais o meu caminhar faceiro, dançarino, rebolante.
Mesmo assim, ainda corro atrás da vida para que ela não corra atrás de mim. Corro atrás de minha evolução como caminhante dessa íngreme estrada. E na minha fantasia, sou a campeã dos meus aprendizados. Se minhas pernas fisicamente estão mortas ou incapacitadas, o meu coração é vivo, o meu desejo latente e o sorriso aflora sempre até os cantos das orelhas. Eu estou viva!!!

Com isso eu quero demonstrar que a vida é efêmera, finita, e as fatalidades não avisam. Não escolhem status, raça, cor, sexo ou credo. Por isso não devemos deixar para amanhã o que se pode fazer hoje. Devemos viver todos os momentos como se fosse o último, procurando ser feliz e fazer felizes as pessoas que nos cercam. Às vezes, quando estamos nos píncaros do sucesso somos atirados inexoravelmente ao caos.

Foi o que aconteceu comigo!
Após uma festa em minha casa, quando me sentia de bem com mundo e comigo mesma, dormi sã e acordei paraplégica, vítima de uma virose que me meou o corpo, sem nem sequer me alertar com uma subida de temperatura. Na realidade, um turbilhão de dificuldades nunca imaginadas. Uma jovem mulher reduzida a cabeça, seios e braços. O resto, morbidamente alheio ao meu comando; dormente como se não fosse meu.

Não obstante haja envidado muitos esforços para reverter o descalabro da situação, eis-me, após todos esses anos, irreversivelmente paraplégica. Com uma vida de muitas batalhas para não ser escória de uma sociedade que, geralmente, só aceita os fortes, perfeitos e vencedores.

Guimarães Rosa dizia que viver é muito perigoso. Por isso devemos ser forjados a ferro e fogo para termos condições de nos erguer quando a dificuldade bater. Afinal, a mente estando ilesa, há motivos suficientes para dirigirmos ainda o nosso destino, mesmo através de um corpo com funções mutiladas. Não podemos ser excluídos do sistema socioeconômico e político do País, pois, VIDA, não significa somente pernas, mas, sobretudo cabeça, mente, raciocínio, alma e coração. O resto, dá-se um jeito.

E foi por isso que resolvi escrever PÁSSARO SEM ASAS. Um livro autobiográfico, corajoso, em que me desnudo, viro-me do avesso e conto ao leitor toda a minha trajetória depois dessa nova condição de rodante: avanços, derrotas, conquistas, aprendizados, até as verdades mais recônditas e inconfessáveis. Não como uma história que haja acontecido no estrangeiro, mas um fato verdadeiro, acontecido aqui mesmo, entre nós, cuja protagonista não foi feliz para sempre, como nos contos de fadas, faz-se feliz, viva e atuante.

Paraplegia não é problema apenas de quem a tem, mas um problema de contexto, pelo menos familiar, já que em nível de Estado, há muito a desejar.
A família deve vestir a camisa, inserir-se no esquema e, dentro da responsabilidade/amor, propiciar à pessoa com deficiência um espaço arquitetônico viável e adaptações domésticas para que ele descubra seu novo mundo ou sua nova liberdade. Essa descoberta dar-se-á com mais coragem, maior obstinação se for encabeçada pela consciência da intensidade do amor que lhe é dedicado pela família.

Esse amor de que falo, não deve ser entendido como excesso de paternalismo que tanto mal nos faz, impedindo-nos de alçar voos às conquistas, mas, sobretudo, deve ser o amor/respeito que não nos destitui da condição de ser humano atuante e não nos rotula de inválidos, pois a verdadeira invalidez está na mente de quem não tem e não sabe transmitir otimismo e coragem.

O trabalho é de muita importância no cotidiano de uma pessoa com deficiência física! É uma verdadeira terapia ocupacional, que nos devolve o sentimento de utilidade. É a oportunidade merecida para provar que poderemos ser, não apenas força produtiva, mas força transformadora, aumentando a esperança num País justo e progressista, diminuindo-lhe os problemas sociais, além de podermos conviver com diversidades e servirmos de motivação e incentivo aos muitos paralíticos andantes que se alicerçam na ociosidade para nada fazerem ou mal fazerem.

Não devemos permitir que os sentimentos de compaixão ou repulsa releguem-nos à inutilidade, conduzindo-nos à inércia. Com tenacidade mostraremos o valor do nosso trabalho e as discriminações só persistirão se nós as aceitarmos, fazendo-nos de vítimas da vida, apresentando indolência, insegurança, subserviência, buscando protecionismo sob o álibi da deficiência física.

Precisamos lutar pelo reconhecimento da igualdade jurídica e pelo direito ao trabalho, máxima maior estampada na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Lutar, igualmente, pela acessibilidade ambiental e urbanística, requisito básico para que a pessoa com deficiência viva com dignidade. O código de edificações urbanas deveria rever esse assunto. As calçadas e os meios-fios sem rebaixamentos. Transportes coletivos sem as mínimas condições para a abordagem de um paraplégico.

Bom seria se houvesse leis que obrigassem a feitura e a execução de PROJETO UNIVERSAL, com integração de acessibilidade a todos. É o que se chama Projetar Acessível. Afinal formamos uma sociedade heterogênea. Onde estão os nossos velhos, as nossas crianças, as pessoas com deficiência?

É dever do Estado cuidar da habilitação e reabilitação da pessoa com deficiência, integrando-a no mercado de trabalho, além de preocupar-se com o atendimento especializado nas áreas da educação e da formação profissional, pois, muitas vezes, para essa pessoa, o trabalho pode ter fins terapêuticos, melhorando sensivelmente sua saúde física e mental, aumentando-lhe a autoestima, respeitando assim a sua dignidade de pessoa humana, como um dos fundamentos da Constituiçao Federativa do Brasil, a Carta Maior que rege o País. Por isso é preciso correr atrás do estado de felicidade. Ocupar a mente, trabalhar, doar-se, é a melhor receita.

Com esse entendimento e alicerçada no incentivo da família, que me ama e não castra as oportunidades, mesmo ao arrepio de toda a deficiência física, preparei-me e classifiquei-me muito bem para o cargo de Delegado de Polícia de Goiás, e o exerci com presteza, durante 12 anos, ocasião em que, também por concurso público, ingressei no Judiciário Federal, atuando, hoje, no Tribunal Pleno da Justiça Trabalhista do meu Estado.

Quero dizer que os problemas só existem se nós os registrarmos como tais. Quando a gente se aceita como é, tudo fica normal e simples. As dificuldades são creditadas como mérito nosso. Aliás as maiores limitações são as que criamos em termos de afirmações psíquicas. Quantas vezes damos contornos catastróficos a problemas tão pequenos e tão fáceis de serem resolvidos.

Hoje me sinto adaptada à vida! Sei que ela se adaptou a mim também. Entretanto já entendo que a minha cadeira de rodas é uma dádiva. Devoto-lhe gratidão. É por meio dela que ando, lido, participo da vida lá fora e nivelo-me aos demais. É, também, é por meio dela que me permito fazer algum bem, passar algum alento de experiência, de trabalho, de coragem às pessoas com quem mantenho algum diálogo ou que leem o meu livro. Não é para isso que estamos neste trajeto que chamamos de vida? Não poderemos partir de mãos vazias!

PÁSSARO SEM ASAS - uma história de vida ou memórias romanceadas - caracteriza-se por sua mensagem positiva, desbravadora, alicerçada no otimismo, transformando derrotas em conquistas. Para mim, é quase uma missão.

Jean Paul Sartre dizia que o importante não é o que fizeram do homem, mas o que ele faz do que fizeram dele. Acredito estar assimilando a sua máxima. Confiram no meu livro! Leiam-me!

Para finalizar, sinto-me muito cativada pela a presença e pelo carinho da Prefeita NELCY SPADONI, pessoa simpática que tive a honra de conhecer na Pousada do Rio Quente. Na ocasião, ela também ocupava uma cadeira de rodas, motivo que nos aproximou naquele dia.

Gratidão ao ANTONIO ARANTES, Secretário de Cultura e ao escritor FILADELFO BORGES, que em nome da Academia Rioverdense de Letras, Artes e Ofícios, convidou-me para lançar o meu livro nesta linda e progressista cidade do sudoeste goiano, berço de 150 anos de tradição, que ora me brinda com tanto afeto, propiciando-me conhecer todos vocês e falar de PÁSSARO SEM ASAS, meu tema predileto, por levar a todos uma consciência valorativa sobre as pessoas portadoras de deficiência física, mostrando que a vida é possível e o trabalho também.

Agradeço o carinho dos presentes: autoridades, escritores, moradores, que me emocionam, tornando este dia um dos mais felizes da minha vida.

Em caráter especial, dedico homenagem MAIOR aos meus quatro filhos, centelhas de amor que Deus permitiu-me nesta vida, alicerce seguro de todas as minhas conquistas; nascedouro inesgotável de forças, incentivos, que me fazem caminhar, mesmo sem o uso das pernas.

Em particular, ao meu marido ALFREDO, que em nenhum momento tem-se cansado da caminhada. Combativo, determinado, não tem poupado esforços para devolver-me não duas pernas, mas uma miríade delas. Sinto-me uma CENTOPEIA. Nossa cumplicidade tornou-nos imbatíveis e unos. A ele o carinho dos seguintes versos:


INDIVISIBILIDADE

Quando tu partires
irei contigo.
Levarei o aconchego da noite
para te fazer feliz.

Serei suave,
feito o balanço do mar,
para te amar,
amor.

Irei contigo
aonde fores.
Tuas pegadas
serão as minhas pegadas,
e eu te adorarei
em todos momentos.

Não choraremos
porque as lágrimas secaram
com o sol da manhã,
fazendo-nos fortes
a qualquer embate.

Irei contigo
até o infinito,
onde tudo é perfeito,
sem dor,
sem mutilação,
sem horror.

Irei contigo,
amor,
porque faço parte de ti.
Tu és tudo
que sempre cultivei em mim.

Assim,
seremos indivisíveis,
unos e eternos.


Obrigada!

Genaura Tormin

Goiânia, 06 de novembro de 1998.

Lançamento da 3a. edição do livro Pássaro sem asas, de minha autoria, na Academia Rioverdense de Letras, Artes e Ofícios, em Rio Verde - GO.

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Era uma luz no fim do túnel e eu não podia perder.
Era a oportunidade que me batia à porta.
Seria uma Delegada de Polícia, mesmo paraplégica!
Registrei a idéia e parti para o confronto.
Talvez o mais ousado de toda a minha vida.
Era tudo ou NADA!
(Genaura Tormin)



"Sou como a Rocha nua e crua, onde o navio bate e recua na amplidão do espaço a ermo.
Posso cair. Caio!
Mas caio de pé por cima dos meus escombros".
Embora não haja a força motora para manter-me fisicamente ereta, alicerço-me nas asas da CORAGEM, do OTIMISMO e da FÉ.

(Genaura Tormin)