ADAPTAÇÕES DOMÉSTICAS PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA FÍSICA
(Genaura Tormin)
"Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um tem o direito de fazer mudanças, recomeçar, e, fazer um novo fim."
(Chico Xavier)
As adaptações domésticas, por vezes improvisadas, ajudam-nos a ser inteiras outra vez. Soluções diferentes, às vezes engraçadas, mas que resolvem.
Não podemos também prescindir de uma boa cadeira de rodas. Sendo ela a auxiliar número um, é de fundamental importância a atenção, o esmero e até os sacrifícios feitos para que ela seja a melhor possível, uma vez que será a substituta audaciosa de nossas pernas.
Com os quatro pneus infláveis para amortecer impactos e ficar mais leve, torna-se necessário ter sempre por perto uma bomba de encher pneus. A melhor delas é a que se conecta ao acendedor de cigarros do veículo. É pequena, mas sua capacidade permite até encher pneus de veículos. Nós mesmas podemos executar essa tarefa. Há também outras, muitas outras que executam o mesmo serviço.
Devemos nos imbuir sempre do desejo de ascender, procurando caminhos, elaborando projetos, pensando na maneira mais fácil para alcançarmos os nossos intentos em quaisquer ocasiões e lugares, guardando sempre o humor e o sorriso aflorado.
É bom lembrar que à cadeira deve-se acrescentar uma boa almofada para proteção da região glútea. Vários tipos existem no mercado: infláveis, de gel... e muitas outros. Para prevenir úlcera de pressão na região glútea (as temidas escaras), a melhor é a inflável, com células separadas, para oxigenar os tecidos. Há as que inflam somente as células que se determina, possibilitando corrigir posturas, como pernas demasiadamente separadas, escolioses etc. Há, ainda, almofadas que fazem massagens, estimulando a circulação.
O Brasil tem-se evidenciado na engenharia de equipamentos para a pessoa com deficiência, incluindo cadeira de rodas, que não deixa de ser uma prótese, podendo ser fabricada de maneira ergométrica, isto é, de acordo com as condições de altura, peso e formato de corpo, além das necessidades de equilíbrio, manejo e acomodação no veículo. Uma cadeira confeccionada sob medida, que nós mesmas conseguimos com facilidade colocá-la no veículo. As rodas são removíveis por um simples toque (quick releeze) e podem ser acondicionadas no banco traseiro, enquanto o corpo da cadeira, com encosto dobrável, pode ser colocado no banco do passageiro, sem ajuda de terceiros. Essa é uma cadeira compacta, isto é, não fecha em X. Há cadeira levíssima, fabricada em titânio que chega a pesar apenas sete quilos.
A cadeira fica mais versátil com encostos de braços e suporte de pés escamoteáveis. Facilita o encaixe sob mesas, reclinação lateral para apanhar algum objeto no chão, aproximação à mesa do computador, além do descanso para os braços. Possibilita que a pessoa faça alívios, isto é, tente ficar de pé, segurando-se nos suportes de braços, para oxigenar a região glútea, evitando escaras. É ainda de muita utilidade quando ao lado do vaso sanitário, pois, com o encosto de braço escamoteado, pode-se, sentada no vaso, reclinar bastante sobre o seu assento (e com segurança), tentar ajustar absorventes e subir a roupa. Quando fiz essa experiência, achei que havia descoberto a América. A minha lesão é muito alta, comprometendo-me grande parte do equilíbrio.
Constantemente, as pessoas me perguntam por que não adquiro uma cadeira motorizada. Aproveito da oportunidade e justifico:
— Tenho braços e mãos sadios e perfeitos. Sinto-me feliz em poder exercitá-los, manejando minha cadeira de rodas. É como se os pés tivessem delegado funções às mãos. Não gosto que me ajude a fazer isso, a não ser em lugares acidentados ou percurso longo, o que, geralmente não acontece, tendo em vista me locomover de carro. Tocar a minha própria cadeira é um ato de amor para comigo mesma.
Contudo, tenho um scooter pequeno (veículo triciclo movido à bateria), que cabe perfeitamente no elevador. Tem uma cestinha acoplada. Uso-o para me locomover sozinha às adjacências, como frutaria, padaria, farmácia, cabeleireiro, médico, laboratório...
Por ser movido à bateria, sobe e desce rampas íngremes com segurança. Versátil, bonito e esportivo, é excelente para passeios em shoppings, para ser levado em viagens... Por ser pequeno, cabe perfeitamente em bagageiros, além de ser desmontável, chegando a pesar 32 quilos.
A handbike é um triciclo de propulsão manual muito difundido nos Estados Unidos e Europa. Na verdade uma bicicleta manual que proporciona excelente opção de condicionamento físico e aeróbico, além de ser uma excelente opção de lazer.
Há pouco tempo fizemos uma viagem de navio pelo Oceano Atlântico e eu me senti inteira. O navio italiano era totalmente adaptado às pessoas com necessidades especiais. Tudo sob uma ótica de inclusão e respeito à dignidade humana. Participei de tudo e não me senti pesada a ninguém. No scooter a liberdade fica bem maior. Nossa companhia fica mais agradável aos companheiros e familiares. É uma maneira de ficarmos independentes sem nos esquecer de que os braços precisam ser usados.
Durante as viagens costumo usar uma sonda de foley, com coletor preso à perna, disfarçado sob a calça comprida. Assim fico independente. Entro no banheiro como qualquer pessoa normal, e escoo com rapidez a urina acumulada no coletor. Tal prática permite-me ingerir bastante líquido, o que, de certa forma, evita infecções. Para nadar, simplesmente retiro o coletor, tampo a extremidade da sonda e a escondo sob o maiô.
Para iniciante, uma tábua de 50x25 cm com as laterais menores chanfradas e uma cavidade para a introdução da mão a um terço de sua extremidade, serve de ponte para as transferências, principalmente para a poltrona do carro.
Um pedaço de cano PVC (aquele branco, usado em construção), medindo 30 cm por 70 mm de diâmetro, facilita a transferência da cadeira de banho para a cama quando posto sob os calcanhares. Funciona feito rodinha, quando os braços da cadeira são fixos, pois a transferência tem de ser feita de frente. Apenas um pequeno impulso leva-nos facilmente ao centro da cama, sem ajuda de terceiros.
O banheiro deve ser amplo para permitir o acesso da cadeira e suas manobras. O vaso sanitário, assessorado por duas pequenas paralelas escamoteáveis para cima, deve permanecer na altura normal, embora não se nivele à cadeira. Os pés precisam tocar o chão por questão de segurança. Para a transferência do vaso para a cadeira e vice-versa, usa-se um suporte para mão, tipo triângulo ou estribo, afixado ao teto por uma corrente, numa altura compatível. Uma ducha higiênica, com gatilho de regulagem manual, é imprescindível para a higienização dos órgãos genitais, principalmente quando se usa sonda vesical de alívio, introduzida apenas na hora de escoar o líquido.
A cadeira de banho, também, deve merecer atenção. Com rodas grandes, enseja maior independência. No mercado existem vários modelos: dobráveis, com rodas grandes, suportes de braços escamoteáveis etc.
Uma vareta com filete na ponta permite apanhar o sabonete que caia. Os suportes para xampu, sabonete, cremes e outros apetrechos devem ser postos a uma altura compatível, bem como as utilíssimas “alças de apoio”, especiais para banheiro, encontradas em casas do ramo, que muito auxiliam no banho, elevando as pernas para depilar, além de outras criatividades que a vivência indicará. Uma escova com cabo grande é excelente para esfregar as costas e os pés.
O lavatório sem coluna, com bancada, para o encaixe da cadeira, é o ideal, bem como a pia da cozinha, os quais deverão ter suas torneiras, modelo “bica”, partindo das próprias bancadas com registro na base para serem alcançadas com mais facilidade. Há torneira eletrônica (fotocélula) que se abre com a simples aproximação das mãos.
Por causa da falta de sensibilidade, os sifões cromados devem ser curtos e protegidos, principalmente na cozinha, onde se usa água quente com frequencia, para não provocarem queimaduras nas pernas.
Certa ocasião, ao despir-me, notei uma bolha na perna semelhante à provocada por queimadura. Fiquei intrigada, pois não havia deixado nada quente cair sobre mim. Dias depois, novas bolhas. Procurando descobrir o porquê, cheguei à conclusão de que tinham sido provocadas ao encostar a perna no sifão da pia da cozinha, quando eu escaldava o frango, antes de colocá-lo na panela.
A pessoa com deficiência encontra o jeito peculiar para resolver os impasses quando a dificuldade se lhe apresenta. Umas conseguem se vestir na cadeira de rodas e até no sanitário, dependendo da altura da sua região lesionada.
A melhor e mais fácil maneira de vestir-se é deitada em decúbito dorsal, principalmente a mulher que, por vezes, tem que ajustar absorventes higiênicos e roupas mais complicadas. Contudo uma almofada quadrada, de bloco único de espuma ortopédica de alta densidade, colocada sob a região lombar, nível da cintura, eleva as nádegas, deixando-as livres, permitindo a subida rápida da calça sem muito esforço físico. Um espelho no teto ajuda na ajustagem da braguilha etc. É bem útil um espelho vertical em local estratégico para visualizar a postura e aplicar correções, além de podermos admirar e valorizar a beleza que há em nós, também captada e exibida pelo espelho.
A volta à costura é perfeitamente possível por meio da máquina portátil, cujo pedal deverá ser posto sobre a mesa para ser acionado com a mão direita. Pode-se, também, colocá-lo debaixo do braço, junto à axila, numa sacola com alça, para ser articulado pelo antebraço.
Os controles remotos, os portões eletrônicos, interfone, telefone sem fios com viva voz, celular, notebook, iPhone e iPad são mordomias que ganham importância maior. A automação conspira a nosso favor.
Faixa abdominal com velcro mantém a boa aparência corporal, facilidade para vestir, ajustabilidade, além de melhorar o equilíbrio e a voz. Quando a lesão medular posiciona-se mais alta, o diafragma perde parte da sua função, transmitindo sensação de cansaço quando falamos muito. Um discurso, por exemplo. Podemos também usar uma cinta com abotoamento na frente.
Por falta de movimentação e circulação deficitária, a pessoa com deficiência que permanece por tempo exagerado com os pés para baixo, geralmente no fim do dia os tem inchados. Para que isso não aconteça, deve usar meias ¾ de média compressão.
Um auxílio às mãos é de real importância para alcançar livros, vasilhas, chaves etc. Esse instrumento tão útil recebe o nome de “TeleStik” e pode ser carregado na bolsa, pois mede menos de um palmo. Assemelha-se à uma vareta retrátil. Alonga as nossas mãos, alcançando objetos, incluindo metais, por meio de imã. Por exemplo, chaves e muitos outros objetos que a vivência apontar.
Ouso dizer que um carro adaptado significa sempre as nossas pernas mágicas. Dentro do carro, temos a sensação de sermos normais. Vencemos distâncias, chegamos na hora, fazemo-nos presentes, sem ficarmos sob o jugo de outras pessoas. Dentro do carrinho, a fragilidade das pernas desaparece. Antes, apenas o carro hidramático poderia ser adaptado, isto é, ganhar freio e aceleração manuais. Se for acompanhado de piloto automático, melhor ainda. Hoje contamos com carros mecânicos adaptados de fábrica, além de muitas adaptações artesanais. Temos o scooter movido à bateria, e já se fala também no carro à bateria, acionado por simples botões. O futuro é promissor!
Paraplegia não é problema apenas de quem a tem. Estende-se ao contexto familiar. A família deve vestir a camisa, inserir-se no esquema e, dentro da responsabilidade-amor, propiciar à pessoa com deficiência física espaço arquitetônico viável para que ela descubra sem tantos tropeços o seu novo mundo ou a sua nova liberdade. Essa descoberta dar-se-á com mais coragem, maior obstinação se for encabeçada pela consciência da intensidade do amor que lhe é dedicado pela família.
Esse amor de que falo não deve ser entendido como excesso de paternalismo que tanto mal nos faz, impedindo-nos de alçar voos às conquistas, mas, sobretudo, deve ser o amor-respeito que não nos destitui da condição de ser humano atuante e não nos rotula de inválidos, pois a verdadeira invalidez está na mente de quem não tem e não sabe transmitir coragem e otimismo.
É de bom alvitre que cada um se imagine numa cadeira de rodas, com todos os problemas inerentes. Depois de uma reflexão, tenho certeza de que a sua capacidade de amar ficará muito maior.
Poderemos conseguir uma porção de adaptações que nos facilitem a vida. As nossas próprias dificuldades conduzem-nos a criatividades fantásticas.
Além de prestar-se ao trabalho, a melhor forma de reabilitação em paraplegia, não se pode prescindir dos exercícios físicos. Há um aparelho de movimentação cíclica passiva, de fabricação nacional, com controle remoto, em que a própria pessoa pode exercitar-se sem sair de sua cadeira de rodas, evitando, assim, limitações musculares, calcificações, atrofias etc. Muitos outros equipamentos estão surgindo no mercado competitivo. A globalização facilitou esse estágio. Há na rede mundial de computadores muitos sítios que se prestam à informação, mostra e comercialização de adaptações domésticas que facilitam muitíssimo a vida da pessoa com deficiência. É o que chamamos de Tenologia Assistiva.
O Brasil tem investido na inserção da pessoa com deficiência, propiciando-lhe várias alternativas de adaptações para lhe facilitar o caminhar, o convívio social e a inserção no mercado de trabalho.
Para maior comodidade, pode-se evitar algumas vezes o uso do tutor longo com cinto pélvico, substituindo-o por um móvel, com aparência majestosa, semelhante a uma tribuna com pequeno tablado à frente, parecido com cadeira para refeição de bebê, que nos empresta segurança, facilidade e participação com muito ganho de tempo. Um dispositivo acolchoado impede a flexão dos joelhos; outro dispositivo segura a região glútea (a bunda), e as plantas dos pés posicionam-se num tipo de bandeja ajustável, conforme o equinismo que se possua, sem precisar de botas com saltos compensativos.
E eis que se pode sentir na vertical, trabalhando, conversando, brincando, assistindo à televisão, lendo, tomando refeições, jogando damas, com a possibilidade de nos transferir sozinhos para a cadeira quando o cansaço bater. Sem nome específico para tão importante auxiliar, o meu filho, Flávio, denominou-a de mesa ereta. Embora seja uma criação artesanal, hoje, sei que é chamada de “parapodium”, havendo no mercado várias versões com a mesma utilidade. A cadeira que permite, também, a postura ereta, não obstante tenha um preço mais elevado, é a melhor, pois a própria pessoa com deficiência ficará de pé ou sentada quando quiser e sem ajuda de ninguém.
Deve-se usar o tutor longo com cinto pélvico, esforçando para se locomover, isto é, exercitar marcha por meio do andador ou muletas, conforme o grau de limitação. Postar-se na vertical é importante para o bom desempenho das funções metabólicas, renais e ósseas. A osteoporose persegue a pessoa que não se exercita.
Almofada de bloco único de espuma ortopédica, em forma triangular, cuja lateral alcance o comprimento das pernas, auxilia à elevação dos membros inferiores, diminuindo inchaços. Serve, também, para recostar. Um outro apetrecho de fisioterapia, bola inflável, denominada FEIJÃO, é excelente para recosto, pela leveza e facilidade, além de alguns exercícios de alongamento.
O colchão não deve ser macio. Assim, teremos mais dificuldade para a movimentação. O ortopédico é o indicado. Se possuir pillow top (um tipo de colchonete superposto que nos oferece as bordas para segurar), melhor ainda, pois teremos destreza para sentar, virar etc.
Bandeja de cama, tipo mesinha, com pés escamoteáveis, permite e facilita a feitura de refeições matinais, apoio de braços, suporte para o manuscrito (notebook), jogos, artesanato e outros.
É importante que se deixe a cadeira de rodas sempre ao lado da cama, pois, além de ficar ao alcance, servirá de apoio para ajudar a sentar na cama. Em sanitários não adaptados, é fundamental que fique ao lado, servindo de apoio às manobras artesanais que se tem que improvisar, não esquecendo de que ela deve ficar freada para evitar acidentes.
Uma prancheta adaptada com dois pezinhos dobráveis de canos de alumínio que se encaixem no assento da cadeira, formando uma mesinha, muito auxilia aos estudantes, por se misturar com os livros.
No ambiente doméstico ou em passeios, uma mesinha pequena, leve, dobrável, com diversificada utilidade pode se acoplar à cadeira, sofás e auxiliar a feitura de muitas tarefas, não só à pessoa com deficiência.
Na cozinha, não se deve esquecer de colocar uma tábua (a conhecida tábua de cortar carne) sobre as pernas para suporte de panelas quentes, chaleiras, bacias, feituras de guisados, trato com a carne, massas, verduras e outros, além do excessivo cuidado que se deve ter.
O fogão de mesa é o ideal, deixando a abertura embaixo para o encaixe da cadeira.
Como essas, podemos criar muitas outras que nos devolvam a sensação de liberdade, pelo menos dentro de casa.
Os prédios públicos não nos cabem: as portas são estreitas, os banheiros inacessíveis. Não há obediência à Norma 9050/ABNT, que trata da acessibilidade. Nem mesmo os hospitais que se dedicam à reabilitação da pessoa com deficiência têm banheiros com acessibilidade satisfatória.
As calçadas e os meios-fios não têm rebaixamentos satisfatórios. O código de edificações urbanas deveria rever esse assunto. Transportes coletivos, nem sempre têm condições para a aproximação de um paraplégico.
As calçadas com pisos protuberantes têm sido bem desconfortáveis, não só para a pessoa que deambula de cadeira de rodas, mas para os carrinhos de bebês, idosos, aos que usam muletas e, também, para as elegantes senhoras que ostentam finos saltos nos sapatos. Isso, por vezes, força-nos a deambular em plena via pública.
Dentro desse contexto, sugiro para viagens uma cadeirinha de banho de alumínio, dobrável, com rodinhas, pois os banheiros dos hotéis não nos permitem acesso.
No ensejo, por ser pertinente ao tema e por me sentir responsável em ajudar a promover a inclusão, transcrevo aqui um de meus apelos, em forma de artigo, o qual circula na internet para conhecimento, e quem sabe, possa significar um plantio da semente.
“FALTA ACESSIBILIDADE
Vencer barreiras arquitetônicas é um dos grandes desafios enfrentados no dia a dia da pessoa com deficiência física, principalmente a que deambula de cadeira de rodas.
Muitos obstáculos a vencer! Entretanto é necessário conquistar a liberdade de ir e vir, mesmo a duras penas, ingrediente principal que nos garante a inclusão na sociedade.
“Levanta e vem para o meio” é um o tema da Campanha da Fraternidade.
Embora o desafio seja a nossa meta para criar consciência popular sobre essas pessoas diferentes, há muito ainda a desejar. A acessibilidade, condição indispensável para que possamos viver com dignidade, é a principal, pois precisamos nos mostrar, exercitar o nosso caminhar. Enfim, viver, como cidadãos que somos.
Para ilustrar, vou contar uma pequena história:
Uma viagem à praia. Um resort à beira-mar adaptado às condições de uma pessoa com deficiência locomotora que não prescinda de uma cadeira de rodas. Tudo acertado com o agente de viagem. Ponte aérea, sol bem arregalado, num cantinho do céu, chamado felicidade.
No aeroporto o veículo estava à nossa espera. Um micro ônibus, com porta estreita e a informação de que estava emperrada, tornando-se mais estreita, ainda. Não conseguia completar seu curso de abertura. Impossível uma contensão de forças másculas para rebocar-me ao seu interior. Não passaria pela porta envolta em braços.
O agente de viagem embarcou-nos num táxi, à nossa expensas financeira, com a promessa de ressarcimento, o que não aconteceu.
Mas, vamos lá, um problema vencido, característica indômita do brasileiro e do determinismo em reverter situações adversas.
Após o percurso de uma hora mais ou menos, eis-nos à frente de um majestoso resort, com lindas trepadeiras floridas que lhe enfeitava a entrada.
Logo, o nosso quarto, bonito e aparentemente adaptado às minhas condições de cadeira de rodas. Via-se que passara por uma recente reforma. Amplo e aconchegante, com lindas cortinas e uma sacada, de onde se desnudava o mar bravio que se escondia manhoso depois dos coqueirais balouçantes, com cheiro de brisa e maresia. Um convite a uma estada feliz e renovadora.
O banheiro, cheio de pretensas adaptações distribuídas pelas paredes.
Na verdade, aos olhos do leigo, era possível distinguir-se pelo esmero, e quem sabe, pelo respeito aos seus reais usuários.
Que tristeza! Nada tinha a ver com as necessidades de uma pessoa com deficiência física. Poderia servir aos que andam de muletas, nunca aos que andam de cadeira de rodas.
Num quadrado, de um metro mais ou menos, com paralelas laterais de apoio, sem espaço ao lado para o posicionamento da cadeira de rodas, encontrava-se centrado o vaso sanitário. Era como se o seu usuário, num passo de mágica, ficasse de pé e desse meia volta para se sentar nele. Além disso, havia uma grande distância entre a parte posterior do vaso e a parede. Onde apoiaria as costas? Como fazer os manuseios sem equilíbrio? Qualquer descuido poderia cair para trás.
Impossível, mesmo, usar o sanitário do lindo resort. Precisava apoiar as costas para fazer os manuseios de assepsia e introdução da sonda vesical. Nem mesmo para tentar, teria condições.
O chuveiro, num requintado box, continha uma cadeira minúscula, sem braços, com o assento em tiras, dependurada numa alça de apoio, postada em desconexo com a altura e com os registros misturadores de água quente e fria.
Impossível acioná-los, pois ficavam às costas, numa posição bem acima do desejável. Como lavar os órgãos genitais nessa gangorra, que mais parecia uma balança, pois os pés não alcançavam o chão. Soltar as mãos da alça de apoio postada na parede, nem pensar. Um tombo seria inevitável. Lavar os cabelos? Também não.
Do pomposo banheiro, quase um salão de banho, restava ainda o lavatório, com secador de cabelos, torneira fotocélula (aquela que se abre com a simples aproximação das mãos) e um grande espelho à frente.
Não precisava observar muito para ver que também não podia acessá-lo. Encontrava-se sob o lavatório, um obstáculo, um cano, usado como cabide para as toalhas, impedindo, por sua posição e altura, o encaixe da cadeira de rodas para conseguir usá-lo. Nem lavar as mãos, eu conseguia. O jeito mesmo era passar uma toalha molhada.
Improvisar para não chorar. Não havia outra saída. O que fazer? Estávamos ali para descansar, para ser felizes. Eu não podia ser o empecilho. Assim, sorriso pra lá, sorriso pra cá e a vida a passar.
Faz de conta é a ordem. Afinal o mundo não é adaptado para nós, embora existam leis que determinem esse procedimento.
Em tempo oportuno, tentei conscientizar o responsável administrativo do resort e, lamentavelmente, fui informada de que para toda aquela pretensa adaptação, fora contratada uma assessoria.
Ponho-me a pensar:
Como são desinformados, para não dizer IRRESPONSÁVEIS. Nem uma assessoria, paga para um trabalho especializado, empenhara-se em se informar, em pesquisar para entender as necessidades primárias de um ser humano diferente. Não houvera preocupação em fazer jus, honestamente, ao dinheiro que lhe fora pago.
Os reais usuários, jamais são consultados. É como se fôssemos objetos inanimados, indesejáveis.
Por isso essas obras parecem eleitoreiras, ou simplesmente, edificações para burlar as obrigações determinadas pela lei.
Somos um país em desenvolvimento, tão diferente dos países de primeiro mundo! Respeito é uma palavra meio desconhecida por aqui.
Genaura Tormin
Publicado no Recanto das Letras em 18/04/2006
Código do texto: T141308”
Para o grande número de pessoas com deficiência que deambula de cadeira de rodas, pouquíssimas são as que conseguem conquistar espaço, possuir emprego digno, sem se falar nos confinamentos caseiros, e de outras pessoas com deficiência que nem sequer têm cadeira de rodas.
A consciência popular sobre esses grupos vulneráveis é crescente, gerando uma mudança de mentalidade que, com certeza, significará melhores dias, com aceitação e respeito. Mesmo por que a inserção social das pessoas com deficiência é Lei, e foi objeto da Convenção Internacional da ONU, ratificada pelo Brasil.
Confio no porvir!
Fiquei encantdo ao encontrar seu blog esquanto pesquisava sobre deficiencia.Parabéns. É pura poesia.
ResponderExcluirSou professor da rede federal de ensino, casado há 30 anos com uma cadeirante e fazendo mestrado em Planejamento Regional e Gestão de cidades, escolhi o tema acessibilidade no centro urbano de Macaé, cidade onde vivo com meus filhos e meus netos.
Tomarei a liberdade de indicar seu blog para a comudidade deficiente. Tenho permissão?
Obrigado pelas liçoes de otimismo e perseverança.
Fique com Deus.
Paulo Roberto dos Santos
Macaé/RJ
paulorobertoicem@yhaoo.com.br