MULHER - UM SEGMENTO QUE DESPONTA,
PRODUZ E ENCANTA
"As mulheres constituem a metade mais bela do mundo."
(Jean-Jacques Rousseau)
É um prazer encontrar-me entre vocês. Cumprimento a todos.
Comemoramos hoje, o “DIA INTERNACIONAL DA MULHER”!
Inicio as minhas palavras com um poema dedicado a esse extraordinário ser, chamado
MULHER
(Genaura Tormin)
Que na faceirice do encanto,
Guarda a garra de uma heroína,
O dom de uma artista,
A sensibilidade de uma poeta,
A graça de uma ninfa...
Compartilha,
Vence preconceitos...
Evolui
E transforma o mundo.
E a mulher que embala o berço,
É a mesma que empunha armas
E em defesa batalha;
É a mesma que constrói,
Julga, ordena, perdoa,
Homologa, sanciona e determina.
Ao lado do homem,
Feito asas de um pássaro,
A mulher promove a harmonia,
O equilíbrio, a unidade.
Espalha amor, alegria,
Fazendo a vida melhor.
O dia 8 de março foi declarado “DIA INTERNACIONAL DA MULHER”, durante a 2ª Conferência Internacional de Mulheres - realizada na Dinamarca, em 1910. Lilás é o seu símbolo, a cor de sua luta.
E essa luta continua!
Neste século, em que se registra grande ascensão do espírito e da mente, observa-se uma mudança de comportamento, uma valorização do ser humano em sua plenitude: alma, corpo e coração. O homem em busca dos segredos da alma, em busca do seu Criador, em busca de sua essência. Tudo conspira para novos tempos.
Também a MULHER, num marco de ousadia e coragem, desfralda a sua bandeira, conquistando o lugar e o respeito que lhe são devidos, como ser matriz, criado à imagem e semelhança de Deus. Ela mostra garra. Impõe-se como somadora de esforços comuns, revelando-se também excelente profissional nas demais áreas do conhecimento científico.
É realmente uma nova mulher: aguerrida, decidida, determinada, corajosa... Desponta, produz e encanta!
Mas tempos difíceis existiram.
Como guerreira nata que é, foi à luta. Conquistou, embora à duras penas, sua carta de alforria! Ainda há pouco era relativa a sua liberdade: Não podia eleger os governantes. O direito ao voto somente aconteceu no Brasil em 1932 e constou da Carta Magna de 1934.
Faço minhas as palavras da poetisa Glória Drumond, uma das primeiras feministas do Estado de Goiás a defender essa bandeira no Exterior. Jornalista aguerrida, nunca deixou fatos sem denúncias nem poupou esforços para que a mulher ascendesse em igualdade com o seu parceiro homem.
Na verdade, o homem e a mulher deveriam ser iguais às asas de um pássaro, que não se subjugam, mas se equilibram lado a lado para a plenitude do voo.
Numa retrospectiva histórica, Gloria Drumond fez em versos uma homenagem ao Dia Internacional da Mulher. Num gesto carinhoso, endereçou-a a mim, quando na ocasião, eu era Delegada de Polícia da Delegacia da Mulher (cargo que assumi do alto de minha cadeira de rodas).
Faço questão de repeti-la aqui, pela excelência do conteúdo:
DIA INTERNACIONAL DA MULHER
(Glória Drumond)
A caminho das galáxias,
Neste século,
Ainda me pergunto:
De que matéria sou feita?
De quantos rótulos,
Preconceitos?
Serei de outro planeta?
Talvez, sou muro de projeções,
Negações...
Sei.
Tenho dimensões novas.
Sou Nova Mulher como Novo Omo?
Provoco vertigens, teses,
Relatórios, congressos...
Até no agreste discutem meus orgasmos.
Acresci-me de ideias loucas, sensatas
Ou sou apenas dado de consumo, estatística?
Tenho o amor em cada primavera,
Como primeiro e último.
Persigo a liberdade desde a aurora
E puseram grades, cadeados, algemas,
Cercas, arame farpado
Nos meus olhos, janelas,
Boca, pensamento, sexo.
Fui e sou todos os anjos,
Todos os demônios do apocalipse.
Nasci menina-feminina
E me queriam menino-masculino.
Desde as cavernas,
Conheço a idolatria dos meus seios
E nádegas.
Sou ainda Vênus esteatopigica
Nos concursos de bumbuns.
Brinquei de roda, bonecas,
Como todas as meninas
Que o sol e a lua viram.
Sonhei, enamorei,
Entrei no cio, adolescente.
Cortaram meu o clitóris na África.
Enterraram-me na pirâmide do Egito.
Cobriram-me de Vênus no Oriente.
Confinaram-me nos gineceus da Grécia.
Amatronaram-me em Roma.
Tolheram meus pés na China.
Alimentei fogueiras na Inquisição
(fui bruxa, mágica, Joana D'Arc).
Reprimiram meu corpo nos espartilhos,
Cintas, perucas da Revolução Francesa
E nas anquinhas do século XIX
(morri com madame Bovary e Ana Karenina).
Fiz revoluções com Anita Garibaldi,
Rosa de Luxemburgo e Dolores Ibarrurl.
Passei por todos os ritos,
Véus, grinaldas, cintos de castidade,
Desvirginamento e prostíbulo.
Rameira, não tive nome
Nem individualidade.
Só doenças, abortos, filhos da puta.
Mas o Cristo me absolveu como Madalena...
Grávida por fatalidade, não por escolha,
Forneci homens a todas as guerras
(hoje me esterilizam no Terceiro Mundo).
Fui e sou mãe: a vida frágil e rósea nas mãos...
Sofri e tive gratificações.
Vi as crianças crescendo, sumindo...
Chorei rios de lágrimas
Pelas traições do meu homem.
Adúltera, me apedrejaram,
Baniram-me.
Experimentei a síndrome do ninho vazio,
Da menopausa, da velhice.
Neste começo de século,
Não posso envelhecer.
E vejo os meus cabelos brancos,
As rugas em todos os espelhos,
Fontes, rios, lagos...
Apesar do ridículo e do disfarce,
Uso todas as tecnologias,
Política do corpo, cirurgia plástica,
Silicone, dietas, massagens,
Cremes, maquilagem.
Mesmo assim,
Encolhi-me com Greta Garbo
E me alcoolizei com Rita Hayworth.
Suicidei-me com Marilyn Monroe,
Janes Joplin, Elis Regina...
Solteira, feminista, cientista (ou coerente)
Morri sozinha no asilo com Bertha Lutz
E envelheci com Simone de Beauvoir.
Faço loucuras,
Autodestruo-me com separadas,
Divorciadas, tentando recuperar o tempo,
Driblar a dificuldade ou chatura,
Castração do marido que se foi.
Vazia, vaidosa, veemente, boa, bonita, burra,
Vendo coisas mil com meus olhos,
Boca, seios, coxas e abro as pernas nas revistas,
Mostro até o útero.
Aumento o consumo e a pornô comunicação.
Que fazer? Até Deus é Homem!...
Sou MULHER!...
Fui e sou branca, negra, índia, judia,
Cigana, pantera de ‘society’ e mulher de periferia.
Cansei-me de ser flor-mãe-santa-musa...
Virgem e puta.
Sou MULHER!
Nem santa nem rameira nem anjo nem demônio...
MULHER - um ser em (re) habilitação.
A discriminação e o preconceito contra a mulher são tão antigos quanto o mundo, cujos registros dessa inculturação remontam aos escritos dos mais célebres filósofos da Antiguidade, bem como códigos, constituições e tratados, incluindo poetas, santos e teólogos.
Até Napoleão Bonaparte, imperador francês teria dito que: “As mulheres nada mais são do que máquinas de fazer filhos”.
Por excelência, a mulher tem sido uma guerreira! Tem-se sobressaído com galhardia, enfrentado o desafio com unhas e dentes na tentativa de conquistar o seu espaço, a sua cidadania, o seu direito de competir e mostrar que é capaz.
Não obstante as muitas dificuldades provenientes do resquício desse obsoletismo, que ainda permeia as mentes acanhadas da sociedade e, particularmente, do machismo arraigado de muitos homens, a mulher tem mostrado a sua cara!
Hoje, representa 52% do eleitorado e se engaja nas mais variadas profissões no mercado de trabalho.
É uma parceira na sustentação da economia do País.
A Constituição Federal de 1988, por força do artigo 5º, inciso I, especificamente, resguardou-lhe direitos de igualdade.
Estamos no páreo!
Exemplos dignos nos concitam a batalhar pela cidadania plena, pelo direito de participar da vida socioeconômica e política do País, vencendo preconceitos velados, não nos subjugando às subserviências, mas, sobretudo, fazendo-nos respeitar pela competência e pela coragem que nos alicerçam, mesmo enfrentando jornada dupla de trabalho para conciliar os deveres domésticos e a criação da prole.
O estereótipo de fardo, de objeto sexual, foi banido. Podemos nos sustentar com o fruto do nosso trabalho. Estamos em transição. É chegada a hora de o homem descer do seu pedestal para dividir conosco as tarefas domésticas em nome dessa igualdade de direitos e da justeza. Hoje somos parceiras: dividimos responsabilidades financeiras e carinho. Seguimos lado a lado.
A condição de fêmea, sujeita à sublime missão da maternidade, tem sido impedimento para a consecução de empregos. E quantas vezes, é a Mulher a provedora única do sustento da família. E isso é bem vezeiro entre nós.
A diferenciação de salários para trabalhos iguais aos do homem é mais uma forma de opressão.
Contudo, sabemos que basta a oportunidade para provar o nosso poder de luta, a nossa competência para atuar em todas as frentes de trabalho, nas mais variadas áreas do conhecimento humano.
A mulher tem procurado nivelar-se ao homem em todas as frentes de trabalho, incluindo na gerência dos destinos de sua pátria.
É uma honra termos, hoje, uma mulher como Presidenta do Brasil.
À frente dos mais diversificados postos, a mulher se faz respeitar pela competência, pela organização, pela sensibilidade, pela liderança... Estamos ascendendo na escala de valores, na qualificação e no desejo de vencer. Os nossos ombros podem carregar o mundo!
Muitos avanços, muitas conquistas se fazem sentir neste milênio. O próprio progresso tecnológico, a informática, a globalização, as pesquisas científicas, têm propiciado justiça em defesa da Mulher, por exemplo, o exame de DNA.
Não há mais a figura dos filho sem pai, ou filho da puta.
A Delegacia da Mulher que, por si só, tem coibido parte da violência, também foi uma conquista.
É lamentável que essa violência seja quase sempre praticada por maridos, parceiros, pessoas que repartem sob o mesmo teto relações de afetividade, formando uma família.
É incrível como o amor pode gerar a dor, o ódio, a ponto de esfacelar o lar e comprometer os filhos. É mesmo um resquício de primitivismo.
Por vezes, essa camisa-de-poder leva o pretenso macho a usar da sua superioridade física para subjugar a fêmea, transformando-a num objeto de sua propriedade, embora a Constituição Federal ressalte a igualdade entre os sexos. E isso está em todas as camadas sociais, posso afirmar.
Embora seja denominada de sexo frágil, herdeira da submissão dos antepassados, a Mulher orgulha-se de sua condição de fêmea. Carrega na bagagem muitos preconceitos, muitos rótulos... As dificuldades dribladas dão-lhe oportunidades, e em nome dessa bandeira que ostenta, tece sonhos de igualdade.
A Mulher é mãe da humanidade. É o único ser humano criador, uma vez que concebe, transporta, alimenta, dá à luz e cria um novo ser. A história nos faz recordar de todas as heroínas anônimas que, em nome do amor, transformaram-se em mães.
A mulher é a base das nações. O sustentáculo. A fornecedora de homens para todas as guerras, além do elo de amor que une, cala e consola. É um misto de criadora e criatura, “invencível pelas lágrimas e capaz de todos os martírios”.
Plagiando o poeta Victor Hugo, ouso dizer que:
“O Homem é um oceano, a Mulher, um lago.
O oceano tem a pérola que o embeleza, o lago tem a poesia que deslumbra.
O Homem é a águia que voa, a Mulher, o rouxinol que canta.
Voar é dominar o espaço, cantar é conquistar a alma.
O Homem tem um farol, a experiência, a Mulher tem uma estrela, a esperança.
O farol guia, a esperança salva.
Enfim, o Homem está colocado onde termina a Terra, a Mulher, onde começa o Céu!”
Levaria muito tempo para falar sobre a Mulher, essa criatura extraordinária, multiqualificada, sempre regida pelo amor, pela doação, principalmente o que a faz “feitora de vidas”.
Mas, tenho a responsabilidade de lhes falar, hoje, sobre outra mulher: aquela que num dia qualquer da vida perde o direito de caminhar com os próprios pés, tendo que o fazer com a mente. A mulher com deficiência física, que represento, cuja cadeira de rodas que ocupo exibe essa condição.
Quem sou
GENAURA TORMIN é o meu nome.
Nasci ao amanhecer de um domingo de julho, embalada pela sinfonia do vento e pelo cantar de pássaros.
Filha de pais camponeses, tenho por lema a coragem, a fé por legado e o amor por escudo. Já vivi mais de meio século.
Fui menina, rebelde, barulhenta, traquina. O colégio de freiras me fez moça educada, comportada, bem intencionada.
Sou casada e tenho filhos e netos. Enfim uma família que me faz sentir que vale a pena viver.
Nasci no nordeste brasileiro, mas reputo-me goianiense, pois aqui resido desde os nove anos de idade. Aqui conclui os meus estudos. Fiz o curso de Ciências Jurídicas e me especializei em algumas áreas. Sou Delegada de Polícia.
O tempo legou-me a aposentadoria. Irreverente que sou, arranjei outra ocupação. Estudei e fui aprovada em novo concurso público.
Sou Analista Judiciário do Tribunal Regional do Trabalho de Goiás.
Fui poeta, como toda adolescente, porém essa marca não passou por mim. Retenho-a até hoje.
Não me importa se canto o amor, a vida, a morte... O que importa é cantar, extravasar, curtir as palavras lindas, tristes ou fortes.
Sou sincera, sensível, amorosa, versátil e passional.
Um tipo meio irreverente. Acredito que se tivesse que me comparar a um bicho, comparar-me-ia a um camaleão, pela versatilidade de cores e de adaptação. Gosto-me assim e fabrico felicidade. Procuro sempre o som e a as cores das coisas.
Minha própria estampa é a presença da alegria: tenho pernas de roldanas, ando sentada e sorrio muito. O batom vermelho realça isso.
Canto o otimismo. Verbalizo palavras e as transfiro aos meus escritos. Faço desse arsenal um escudo às dificuldades.
Em versos vou levando a vida, desnudando anseios e deixando jorrar todas as emoções de viver. No meu caminhar tenho pressa. Vivo o hoje, o agora. Sou poeta.
MULHER PARAPLÉGICA
"O importante não é o que fizeram do homem, mas o que ele faz do que fizeram dele".
(Jean Paul Sartre)
O designativo PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA, largamente usado até os anos 90, o qual se encontra também nos artigos da Constituição Federal de 1988, foi substituído por PESSOA COM DEFICIÊNCIA, abrangendo as deficiências física, mental, auditiva e visual.
A legislação tem ratificado essa terminologia, bem como o Decreto n. 6.949, de 25 de agosto de 2009 que promulgou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007.
Há um consenso mundial sobre a aceitação desse designativo. Na verdade, portar significa uma situação voluntária, como portar um objeto, uma carteira, por exemplo. Nesse caso, poderíamos dispensar a nossa deficiência?
MULHER PARAPLÉGICA – geralmente é aquela que num dia qualquer da vida perde o direito de caminhar com os próprios pés, tornando-se paraplégica. E tem que o fazer com a mente, deambulando por meio das rodas inanimadas de uma cadeira de rodas. Entretanto há as pioneiras que, por motivos diversos, já nascem com deficiências. A elas, rendo homenagens, chamo-as de mestres e curvo-me com respeito.
As fatalidades não avisam nem escolhem status, raça, cor, hora, sexo ou credo. E num passo de mágica, eis a paraplegia! Os sonhos esfacelam-se às conjecturas do nada.
Mesmo assim, a ordem é correr atrás da vida! Aprender outra maneira de viver. Recriar-se! Ir à luta para não ficar à mercê do coitadismo, vendo a vida passar. Realmente, uma grande empreitada. Um desafio que nos fará subir ao pódio, sagrando-nos campeãs do torneio de nós mesmas.
Mudam-se parâmetros, paradigmas, mas não muda a garra nata da mulher que, por excelência, traz no sangue a gênese do esforço para se superar, vencer obstáculos e dificuldades.
Necessário e urgente se faz dar uma faxina na caixinha dos pensamentos, reorganizando ícones, criando possibilidades, redimensionando valores.
A meta é reinventar a vida, num projeto arrojado e corajoso, sem deixar espaços para os males psicossomáticos. Revisá-lo, como se revisa um texto, corrigindo diálogos, substituindo parágrafos inteiros. Nessa lapidação, o amor deve ganhar maiores proporções, bem como a responsabilidade, a compreensão e, sobretudo, a aceitação e a paciência.
Cortam-se alguns zeros metafóricos de um caso-verdade que nunca poderá ser apagado ou destruído da história de uma existência. Mesmo revisto, retocado, sua essência permanecerá indelével na alma. Uma saudade.
Agora tudo terá que ter um único comando: CORAGEM!
É como se tivéssemos que fazer um projeto arquitetônico para a reconstrução da vida. Eu o fiz em versos.
ARQUITETA DE MIM
(Genaura Tormin)
Vou reinventar a vida!
Fazer consertos,
Aplicar remendos.
Prenhe estou de disfarces
E esgueira-me pelo corpo
A plangência do tempo,
Restos de batalhas
Que se reiniciam sempre.
A incoerência dos retalhos
Fragmentam-se pelos dias.
Recolho os estilhaços.
Sou enigma no existir!
Fabrico fantasias e metáforas.
Por vezes a paraplegia é abrupta. De repente a fatalidade e em seguida o quadrilátero de um quarto de hospital. Passamos a abrigar novos vocábulos no nosso dicionário: esfíncter, cateterismo, sonda... Muitas seringas, comprimidos, raios-X, dietas, ultrassonografias, ressonâncias magnéticas e toda uma parafernália antes conhecida só de longe. Cirurgias, imobilidade e leito o tempo todo, tudo respaldado por enorme vontade de viver.
Na fase hospitalar, o tratamento medicamentoso ou cirúrgico tem de ser coadjuvado com a mente bem direcionada, sem nos esquecer de que, acima de tudo, somos energia e a altivez da postura mental é muito importante. A coragem ganha força hercúlea e o barco tem que seguir enfrentando borrascas, ribanceiras e tempestades. É uma tarefa exclusivamente de quem ganha uma paraplegia. Outras pessoas não a farão por nós!
Temos que abraçar a causa.
É questão de sobrevivência, ou excelência de vida. Elevamo-nos à altura do que nos propusermos. Não somos as primeiras e nem seremos as últimas mulheres a experimentar tais condições que, embora doloridas, podem também nos arremessar a um final feliz.
Esse novo modelo não está em tratados alopáticos nem é imposto. Temos que ser o nosso professor! O aprendizado é compulsório. Nele, não há portas que não se abram. Nem mesmo a Lei é um bloco estanque. Basta bater, que brechas aparecerão. É aí que fincaremos os nossos comandos, elaborando uma sentença de sucesso.
Eu sou paraplégica e posso contar.
Estou paraplégica há 31 anos.
Agora eu não pulo corda, não ando de bicicleta... Estava nos píncaros do sucesso e inexoravelmente fui atirada ao caos. Recebi uma dura sentença por crime que não cometi nesta vida. Mataram minhas pernas em mim. De repente uma marcante mudança! Mesmo assim, ainda corro atrás da vida. Esforço-me para ser a campeã dos meus aprendizados. O meu coração é vivo e o sorriso aflora sempre até os cantos das orelhas. Eu estou viva!
Numa manhã de março acordei paraplégica, vítima de uma virose ou de um erro médico. Lembro-me de que as limitações eram estarrecedoras, mas eu as enfrentava como as enfrento até hoje, procurando driblar o impossível, para conseguir independência, pelo menos comigo. Eu ficava hora montando estratégias, analisando circunstâncias para realizar os intentos.
Eu queria desenvolver uma autoconfiança que me conduzisse à ousadia mental de perseguir novos objetivos, construindo caminhos para o meu novo mundo. Afinal, dizia Einstein: “A mente que se abre a uma nova ideia, jamais voltará ao seu tamanho original”.
Eu tinha medo da solidão, medo da convivência comigo mesma. Na verdade, o medo era o de que os pensamentos de conquista fossem subjugados. A vida estava sendo muito complicada, muito difícil! Afrontava-me sem tréguas, estampada na imobilidade e na disfunção fisiológica do meu corpo, além de uma eterna e apavoradora dormência.
Sempre que abriam o guarda-roupa à minha frente, os sapatos e as sandálias de salto alto agrediam-me sem compaixão. Expulsei-os de lá. Doei-os, seguindo o ditado popular: “O que os olhos não veem o coração não sente”.
Tinha que respeitar a minha individualidade e olhar para frente e para o alto. Não podia viver de passado, embora a saudade de mim, por vezes, lavasse as minhas faces em lágrimas doloridas.
A gente não se esquece do que viveu, apenas aprende a separar as coisas e encaixá-las em prismas diferentes. Isso é sabedoria.
E a vida à frente! Um turbilhão de dificuldades nunca imaginadas. Uma jovem mulher reduzida à cabeça, seios e braços. O resto, morbidamente alheio ao meu comando: dormente, como se não fosse meu.
Os meus passos foram banidos. Perdi o meu ir-e-vir cheio de graça, de trejeitos, de muitos encantos. Poderia ter sido uma bailarina na vida, mas tive a vida para bailar, gingar até encontrar os meus próprios caminhos, lapidar os meus cantos, aparar as arestas.
A minha vida sofria grande transformação. E eu tinha urgência de que essa metamorfose não se resvalasse para o negativismo. Pertinácia e otimismo seriam as minhas armas. Revesti-as de poderes mágicos. Fiz dessa hora um marco divisor de águas.
Lógico que envidei muitos esforços para reverter o descalabro da situação. Sou guerreira de muitas batalhas para não ser escória de uma sociedade que, geralmente, só aceita os fortes, perfeitos e vencedores, alienando a pessoa com deficiência, sem entender que ela também é forte e vencedora de si mesma, compulsoriamente. É um resquício da cultura legada pelo modelo filantrópico.
Precisava retomar o meu lugar de esposa e mãe no meu lar. Na época meus quatro filhos, ainda pequenos, precisavam muito de mim. Ainda não tinham asas para alçar voos sozinhos. Isso me impulsionou a entender que precisava seguir a caminhada, mesmo sem marcar passadas no chão.
Consciente de que seria irreversivelmente uma paraplégica, preparei-me e classifiquei-me muito bem para o cargo de Delegado de Polícia de Goiás. Exerci-o com presteza, durante 13 anos, ocasião em que, também por concurso público, ingressei no Judiciário Federal, atuando por alguns anos na Diretoria de Recursos Judiciais do Tribunal Regional do Trabalho Goiás, onde fui, também, subdiretora. Hoje, trabalho na Secretaria de Coordenação Judiciária do mesmo Regional.
Quem falou que a pessoa com deficiência física não pode trabalhar? Ando de cadeira de rodas e trabalho. Conquistei até o título de “Servidor-padrão”.
Deficiência não é uma opção pessoal. É uma parte natural da experiência humana. Mesmo que nos empreste um visual diferente e algumas dificuldades locomotoras, a mente sã cria soluções para tudo. O trabalho devolve-nos sempre o sentimento de utilidade e supera a defasagem do caminhar.
Há preconceito? Há! Ele existe e não será banido tão cedo, não só em relação às pessoas com deficiência, mas em relação aos grupos vulneráveis. Isso é cultural. Vem de longas datas. Na Grécia antiga, as crianças que nasciam com deficiência eram tidas como seres sem alma, abandonadas para morrer.
Os cristãos achavam que era um castigo de Deus. Ainda hoje a cadeira rodas passa uma ideia de mendicância. Há sempre sentimento de piedade, de medo, e quase nunca o de respeito. Se a pessoa for do sexo feminino, principalmente, presume-se logo que jamais encontrará companheiro. Se a sequela for recente, fatalmente será abandonada por ele. É como se, de repente, o ser humano se transformasse num objeto sem valor.
Mas isso a gente vai tirando de letra, mostrando o outro lado. O importante é: “Levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima!”
Baseada no desafio integro-me bem aos grupos de trabalho. Insisto por tratamento igualitário, mesmo por que, esculpida nas dificuldades, tenho por lema a coragem e o desejo de vencer. Jamais me subjugo às subserviências em busca de protecionismo, benesse, sob o álibi da deficiência. Preocupo-me em mostrar competência, conquistando respeito pelos meus próprios méritos.
Sinto-me adaptada à vida! Sei que ela se adaptou a mim também. De minha catarse, sou mestra. Tenho uma família que me ama e não me castra as oportunidades. Pelo contrário, ela é um nascedouro de forças e incentivos. Isso me é de importância vital e respalda o segredo do sucesso que tenho conquistado.
Sou escritora.
Escrevi PÁSSARO SEM ASAS, um livro autobiográfico, corajoso, em que me desnudo, viro-me do avesso e conto ao leitor toda a minha trajetória depois dessa nova condição de ‘rodante’: avanços, derrotas, conquistas, aprendizados, até as verdades mais reclusas na cela do peito.
Relato tudo, não como uma história que haja acontecido no estrangeiro, num lugar distante, mas um fato verdadeiro, acontecido aqui mesmo, entre nós, cuja protagonista, apesar de não ter tido um final como nos contos de fadas, faz-se feliz, viva e atuante.
Mais quatro livros foram também editados. Apenas uma flor; Nesgas de saudade; Borboleteando; e Marola, Veleiro e Vento. Neles eu enveredo pelos veios da poesia para acalentar instantes e fabricar fantasias.
A vida se exibe à minha frente! Ainda acontece inteira no meu coração. Eu cumpro e assumo o direito de ser MULHER em toda a sua plenitude.
Continuo perseguidora de sonhos. Acredito no amanhecer, no poder recomeçar a cada dia. Sou a síntese dos meus desejos, compilação de inércias estáticas. Encanto-me com a vida, com os amores, com o belo, com a arte de fazer versos. Acho prazeroso brincar com as palavras. Por meio delas exponho-me por inteira. Desnudo-me! Mostro a alma, o coração e a poesia que há em mim.
O avançado da hora se registra. Caminhamos para o término deste meu convívio com vocês. Agradeço a atenção de todos e sinto-me muito lisonjeada pelo convite para aqui estar.
Abraço carinhosamente a todas as mulheres, pelo nosso DIA!
Não obstante as muitas conquistas, resta-nos erguer a voz e deixar que o grito alcance os quatro cantos do mundo:
– Avante companheiras! Muito ainda temos a conquistar!
Obrigada!
Palestra proferida por Genaura Tormin, em 07.03.2013, na Procuradoria da União em Goiás – Advocacia-Geral da União, Rua 82, esq c/83, nº 179 – Praça Cívica – Setor Sul - em Goiânia-Go
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