A PESSOA COM DEFICIÊNCIA FÍSICA
(Genaura Tormin)
Tenho a
responsabilidade de lhes falar, hoje, sobre um outro assunto. Sobre a
pessoa com deficiência física, de quem sou lídima representante.
Aquela, em que num dia qualquer da vida perde o direito de caminhar
com os próprios pés, passando a fazê-lo com a mente, com o
coração.
Viver é
muito perigoso. E viver com uma deficiência física, mais ainda. Por
isso, devemos ser forjados a ferro e fogo para termos condições de
nos erguer quando a dificuldade bater. Mas o espírito sabe tirar
proveito evolutivo das experiências adversas para convertê-las em
ascensão. Ainda bem que o espiritismo é a grande esperança e o
Consolador da humanidade encarnada.
Somos
minoria. E como tal relegada a segundo plano. Somos rotulados de
inválidos e a cadeira passa sempre a idéia de mendicância. Não há
consciência popular valorativa, esquecendo-se, inclusive, de que,
cristicamente falando, somos todos irmãos.
Graças
a Deus, não estamos vivendo nos dias do médico alemão Josef
Mengele - o Anjo da Morte, que sob o comando de Adolf Hitler,
exterminava as pessoas com corpos imperfeitos, tentando estabelecer a
pureza da raça ariana.
Quantos
gênios existiram e existem em corpos imperfeitos! O inglês Stephen
Hawking, com esclerose lateral amiotrófica, que lhe paralisou os
movimentos, emudeceu-lhe as cordas vocais, é um testemunho perfeito,
pois, mesmo assim, continua produtivo e é considerado o mais
brilhante físico teórico desde Albert Einstein.”
Outro
exemplo, aqui bem perto de nós, é o do Dr. Cláudio Drewes
Siqueira, que ficou tetraplégico, quando ainda era adolescente, e
mesmo assim, por méritos próprios, ascendeu aos cargos de
Procurador do Estado de Goiás e em seguida ao de Procurador da
República. Por meio de uma adaptação presa a um capacete, o
competente Procurador folheia livros e processos, além de digitar
suas próprias peças, elogiadas pelo excelente conteúdo jurídico.
É um exemplo e a certeza de que o querer é poder. Tudo é possível
quando a mente está ilesa e bem direcionada.
É raro
vermos um deficiente ocupando um cargo público de comando. E quando
isso acontece, ele terá de ser imbatível. Caso contrário, os
pequenos e naturais deslizes, policialescamente vigiados, serão
creditados à sua deficiência física, com o mero objetivo de
torná-lo inválido.
É um
marco da personalidade brasileira e do preconceito arraigado da
maioria dos governantes, tão desinformados e mal preparados, que
não sabem buscar, transformar, aproveitar, mesmo tanto tempo depois
da teoria de Lavoisier onde: "...nada se perde, tudo se
transforma".
A
mídia, como formadora de opiniões, é a grande responsável por
essa imagem tão negativa do deficiente. Fulcrada em desinformações,
as novelas banem até a sua sexualidade, forçando-o, mesmo, a
tornar-se um cadáver vivo.
É
costume, também, mostrar a penúria, a fatalidade, a invalidez da
pessoa com deficiência, e nunca a sua competência, o seu trabalho
digno, o seu esforço para vencer barreiras.
Apesar
de não sermos detentores dos nossos movimentos físicos, não
precisamos da caridade pública e não devemos ser excluídos do
direito de participar da vida do País, como cidadãos que somos.
Ouso dizer que não se deve dar ao homem o que ele pode conseguir com
o fruto do seu trabalho, sob pena de roubar-lhe a dignidade.
Precisamos
lutar pelo reconhecimento da igualdade jurídica e pelo direito ao
trabalho, máxima maior estampada na Declaração Universal dos
Direitos Humanos. Lutar, igualmente, pela acessibilidade ambiental,
urbanística, requisito básico para que possamos viver com
dignidade. É bom lembrar que o poder dos governantes emana do povo e
em seu nome é exercido, pois somos uma nação organizada, tutelada.
Na área
hospitalar, falta acessibilidade. Os banheiros não nos permitem
acesso: as portas são estreitas, acontecendo por vezes de perdermos
consultas por termos de retornar a casa para usar o banheiro, sem se
falar do desconhecimento da Lei 10.048 de 8.11.2000, que nos garante
atendimento prioritário.
Para
executarmos uma tarefa, é lógico que precisamos dos apetrechos
inerentes à sua feitura. E nós, paraplégicos, precisamos de pernas
de roldanas para substituir o nosso caminhar. “É o faz de conta”.
É a condição sine qua non para irmos à vida, para sermos
produtivos.
Contudo,
é muito triste depararmos com colegas deficientes, em cujas cadeiras
de rodas há tarjas indicando em letras garrafais que foram doadas.
Abomino tal conduta, a qual se enquadra como ato típico perfeito de
roubo da dignidade.
E dói
muito quando feito pelos governantes que apenas administram as
receitas oriundas dos nossos impostos e têm por obrigação o
soerguimento social.
Se um
deficiente precisa de uma cadeira, tem de pagá-la com o ônus da
humilhação. Fica mais cara do que uma cirurgia de grande porte,
pois a ferida não sara e fica sempre à mostra para o escárnio dos
que por ele passam.
É
preciso que haja consciência, voz para denunciar deslizes que, por
vezes, aleijam mais do que a própria deficiência, comprometendo a
mente, o equilíbrio, a auto-estima e o desejo de viver.
Não
queremos paternalismo nem diferenciação, queremos apenas respeito e
igualdade de oportunidades para mostrarmos a nossa capacidade de
conquista, de trabalho, embasados na célebre frase de Rui Barbosa:
"... tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na
medida em que eles se desigualam".
Esse
estado de coisas tem que mudar, e vai mudar! Temos que aprender a
escolher os governantes.
Não
obstante os muitos cerceamentos que sofremos na pele, impostos pela
deficiência, temos que rebatê-los com uma só ação: CORAGEM!
Resta-nos
exigir o cumprimento das leis. Necessário se faz um trabalho
conscientizador que pode e deve partir do próprio deficiente e da
sua família, estendendo-se à sociedade e governantes.
Eu abro
um parêntese para endereçar uma menção de carinho ao
excelentíssimo Governador, Marconi Perillo, rapaz jovem, cônscio
de suas obrigações, que tem demonstrado sensibilidade,
principalmente aos deficientes, com a construção do Centro de
Reabilitação e Readaptação. Uma tecnologia de ponta que, com
certeza, servirá de exemplo para outros Estados.
Referindo-me
à política desenvolvida nos Estados Unidos sobre a reabilitação,
acessibilidade arquitetônica e o trabalho do deficiente, gostaria de
dizer que o retorno é de sete para cada dólar aplicado nesse
sentido, pois tornando-o reabilitado, independente e produtivo, não
só ele estará liberado para o mercado de trabalho, mas também a
pessoa que o assistia no ambiente doméstico.
É um
investimento social, uma vez que o deficiente deixará de ser um
consumidor de políticas de previdência e assistência social para
capacitar-se como produtor de receitas públicas, mediante o
recolhimento de impostos sobre os rendimentos decorrentes de sua
atividade profissional.
A vida
continua. Ainda sou perseguidora de sonhos. As portas me fascinam. A
vida ainda acontece inteira no meu coração. Acredito no amanhecer,
no poder recomeçar a cada dia.
Sei que
tenho um papel a desempenhar neste Plano, por isso tento ajudar a
construir um mundo melhor, formando mentalidades, fazendo denúncias,
cobranças, exigindo respeito a quem, num dia qualquer da vida, vê
romper-se a "farda de carne", para dar início a uma vida
de sacrifícios e desafios diários.
O
avançado da hora se registra e eu espero haver plantado uma semente,
que crescerá e renderá frutos formadores de consciência popular
valorativa, capazes de melhorar a aceitação do deficiente na
sociedade, além da afetividade e do respeito com essas pessoas que,
no exercício da vida, caminham sem pernas ou de outras formas
aparentemente dolorosas.
Muito
obrigada!
Genaura
Tormin
Palestra
proferida por Genaura Tormin em 08.10.2003,
na
Irradiação Espírita Cristã, em Goiânia-GO.
10
minutos.
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