PLANTIO

PLANTIO
PLANTIO
(Genaura Tormin)

Deus,
Senhor dos mares e montes,
Das flores e fontes.
Senhor da vida!
Senhor dos meus versos,
Do meu canto.

A Ti agradeço
A força para a jornada,
A emoção da semeadura,
A alegria da colheita.

Ao celeiro,
Recolho os frutos.
Renovo a fé no trabalho justo,
Na divisão do pão,
. E do amor fraterno.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

QUEREM CARREGAR O MEU FARDO


Eis mais um dos capítulos do meu livro - PÁSSARO SEM ASAS!
Um brinde aos meus leitores. Espero que gostem, pelo menos da sinceridade e da coragem de abrir o coração, mostrar a minha privacidade e, especialmente, o tamanho das dificuldades que tive que enfrentar. Hoje, digo: SEM CORAGEM NÃO SE VAI A LUGAR NEHUM!

QUEREM CARREGAR O MEU FARDO
(Genaura Tormin)

Papai estava em nossa casa. Era a primeira vez que nos visitava depois que eu saíra do hospital. Tinha medo de me ver na cadeira de rodas. Como estava bonito, o meu pai! O seu semblante era marcado por preocupação e tristeza, embora escondidas sob a barba que deixara crescer desde a fatalidade que se abatera sobre mim, ou melhor, sobre nós. Para os pais, a gente é sempre criança e necessita de cuidados. Papai não deixara de trazer-me algum agrado: mel de abelha para tomar nas manhãs; doce de leite, requeijão e, ainda, banha de carneiro para fazer-me andar.

— Filha, aqueça esta banha, esfregue nas pernas e enfaixe com ataduras de crepom que vai ajudá-la muito. Fiquei sabendo de um homem que estava como você e andou.
— Obrigada, papai! O senhor é um amor de pessoa! Se eu não voltar a andar, não fique preocupado, pois prometi a mim mesma que vou voar. Vou ficar alada, papai! Vou ter asas e ficar mais veloz. Vou voar com os pássaros na amplidão, nesse infinito azul cheio de liberdade. Vou até as constelações. Quem sabe visitarei a estrela do meu tempo de criança? Lembra-se? Aquela que piscava, piscava e o senhor dizia que ela estava me chamando.

— Você não deixa de fazer brincadeiras. Com coisa séria não se brinc! Lembro-me de que, quando pequerrucha, queria trabalhar no circo. Queria ser artista, equilibrando-se até sobre a sela do cavalo, quando, às vezes, tinha que levar umas palmadas.

— É papai, isso mesmo! Está vendo que a gente consegue o que deseja! Talvez eu quisesse ser trapezista. Agora, vou mesmo exercer algo parecido pelo menos em desafio. Escute só: não vou aposentar-me. Amanhã vou assumir o cargo de Delegado de Polícia no Nono Distrito Policial! Valeu? Vou desafiar paizinho! O senhor já ouviu falar de alguma delegada de cadeira de rodas? Vou ser a primeira! Talvez queiram pôr na minha cadeira um motorzinho V-8, com injeção eletrônica, turbinado... E eu vou botar pra quebrar com um trinta-e-oito na cintura. Já pensou numa estrada reta, a 280 km por hora! Ninguém fará melhor trabalho que eu, o senhor não acha?

— Credo! Pára de falar besteiras! Imagine se Alfredo e eu vamos permitir tal coisa! Fale sério! Pare de rir. Nunca vi uma pessoa numa cadeira de rodas com tanta alegria! Todas que pude ver em Minas Gerais tinham semblante de sofrimento.

— Paizinho, eu vou trabalhar! Vou ser uma Delegada de Políci! Passei no concurso e já fui nomeada. O senhor não se orgulha de mim? Ser delegado é ser chefe. Não vou sair com trinta-e-oito nenhum. Nunca levei jeito para isso. O que vou fazer é instaurar procedimentos policiais, dar ordens, inquirir testemunhas, requisitar perícias, exames de lesões corporais e muitos outros. Terei uma equipe de policiais a meu serviço. Amanhã será o meu primeiro dia de trabalho e o senhor irá comigo. Não posso perder tempo. Vamos conversar na varanda. Tenho que fazer os exercícios, senão, além de não andar, vou ter problemas de osteoporose e calcificação nas articulações. Estou estudando Medicina, sabia? Acho que depois dessa paraplegia vou ser médica charlatã.

Com roupa de malha, fomos para a varanda onde papai ajudou a colocar-me sobre o acolchoado, no chão, para os primeiros exercícios daquele dia: os manuseios feitos pela Edna, minha prima, que voltara a morar conosco.

Para auxiliar-me, ela fizera estágio no Hospital Sarah Kubitschek e, como técnica de fisioterapia, é uma excelente profissional. Moça alta, vistosa, de uma simpatia à flor da pele; muito brincalhona, carregava no rosto um aspecto trigueiro, sempre com um sorriso. Gostava de comparar as pessoas com as aves, e até imitava os seus gorjeios. Ela floreava as frases e a gente acabava sempre às gargalhadas. Edna era mesmo uma pessoa especial em época também muito especial. Frequentemente encontrava uma maneira engraçada para resolver os problemas. Às vezes, saíamos juntas para as visitas, supermercados e até para o cinema. Com ela, sentia-me protegida.

Numa dessas andanças, perguntaram-lhe se eu falava. Após uma mesura e uma olhadela estupefata da Edna, não pude manter-me séria. Ambas caímos na gargalhada, como se não fôssemos mais parar.
A pergunta não ficara sem resposta.
— Não! Ela não fala, só ri — dissera a Edna, limpando os olhos.

— Não me olhe com essa tristeza, papai! As pernas não estão finas. É a falta de controle sobre elas que transmite “peninha”. Estou ótima! Não vê que estou alegre?! A gente não pode ser misse a vida inteira. Os anos já lhe pesam, mas o senhor está muito bonito nessa idade! Entre as pessoas com deficiência, também posso ser vistosa, o senhor não acha?

Papai continuava calado. Olhava-me sempre e seguia os manuseios que a Edna fazia nas minhas pernas.
— Agora de gatão! — exclamara a professora.
Imediatamente obedeci e eis-me feito um grande bebê, querendo engatinhar.
— Para frente! Para trás! — comandava ela.

Por vezes, perdia o pouco equilíbrio e caía para a lateral. O esforço era muito grande para me levantar. Sob meu comando, apenas estavam a cabeça, os braços e as escápulas. Pouco para puxar uma jamanta, como dizia a Edna. Então, ileso era o “cavalo”, isto é, a parte dianteira de um caminhão. A jamanta, talvez carregada de aço, era o resto do meu corpo. Engraçada a comparação. Moça criativa, a Edna!

Alfredo costumava supervisionar os trabalhos. Dava sempre uma chegadinha ao nosso ginásio de fisioterapia. Elogiava os avanços e fazia exigências, fazendo-me querida.
Depois do gatão, Edna declinava o próximo exercício:
— De joelhos!

Nesse momento, papai indignado interpelara:
— Isso não! Assim é judiar demais! Você não vê que ela está paralítica? Por que ainda fazer penitência?
Caímos na gargalhada e até o maridão não deixara de acompanhar-nos. Contudo exclamara:

— É, meu sogro, ela precisa fazer penitência para recuperar os passos. Mas a Edna exagera muito. O senhor verá muita coisa ainda!

Pobre papai! Homem do interior que vivera a maior parte da sua vida no campo, na lavoura, cuidando do gado, não havia acompanhado o progresso das grandes cidades. Com o seu coração de pai, tentava me proteger. Não entendia que eram exercícios, e indispensáveis, aquelas posições.

Agora seria a vez das paralelas. Edna acoplara-me ao aparelho ortopédico com botas e com a ajuda do Alfredo fui colocada na vertical, segurando-me nas paralelas (dois canos galvanizados, paralelamente dispostos à altura do quadril). Estava de pé. Olhava a todos testa a testa. Estava alta, arrogante. Será que era alta assim? Os saltos de quatro centímetros das botas, para compensar os tendões das pernas que se encurtaram, não poderiam ser esquecidos.

Papai, sisudo, parecia não gostar daquele espetáculo. Tantos amarrilhos, hastes de metal, cinto de metal, até que desabafou:
— Isso parece arreio de cavalo!
— Não, meu sogro, tutor longo com cinto pélvico! — retrucara Alfredo. — Isso é para fazer circular o sangue, melhorar as funções intestinais, urinárias, e ainda evitar osteoporose nas pernas, pois o cálcio que ingerimos em forma de alimento não é absorvido pelos ossos se eles não estiverem em uso. Assim, meu sogro, os ossos ficam fracos, como se estivessem brocados. Por isso Genaura precisa ficar de pé. As pernas precisam sentir o peso do seu corpo.

— Coitada de minha filha, paralítica! — entoara sentido, o papai.
— Paralítica, não! Deficiente! — Atalhou imediatamente o Alfredo, como se as duas palavras não fossem sinônimas. Era mesmo o desejo de não me machucar, não me ofender.
Acho que papai e Alfredo sofriam muito mais do que eu que estava sendo protegida por todos os lados. As crianças faziam as suas partes, dando-me carinho exagerado.

Nas paralelas, vendo-me estampada num grande espelho à frente, apetrecho imprescindível para a correção da postura e dos passos, observava o golpe que a vida havia-me desferido. Como criança indefesa, pensava em mamãe. Ah, se ela estivesse viva! Certamente viria morar conosco para amenizar-me a falta de locomoção.

Mamãe era disposta, alegre, extrovertida. Para ela, não havia impossíveis. Possuía um coração imenso e espiritualizado. A importância maior era dirigida aos filhos que, como ela sempre dizia, constituíam o seu tesouro. A felicidade da gente era muito mais a felicidade dela.

Mamãe era líder. Aonde chegava, encantava sempre. Fora muito bonita nos verdes anos. No entanto era a sua beleza interior que impregnava a todos. O sorriso largo, os olhos azuis e a imagem de fada madrinha enchiam de luz qualquer lugar. Gostava muito de cantar, declamar... Como gostava de ouvi-la cantar as românticas músicas do seu tempo. Poesias épicas, ela sabia de cor e as recitava com galhardia.

Agora como estava precisando dela! Que saudade dolorida arrebatava-me o peito! Será que estaria à minha espera na eternidade? Como não nos é dado decifrar o após morte, mas acreditando na imortalidade da alma, mamãe até poderia estar ali, num corpo etéreo, velando por minha vida, dando-me apoio e insuflando-me coragem como sempre o fizera nos meus momentos mais difíceis. Era no seu regaço que os problemas revertiam-se em “coisinhas banais, corriqueiras, plenamente resolvíveis”.

Hoje, pensar que a sua presença translúcida amaina o meu caminho, canta para dissipar minha tristeza, encoraja-me nos fracassos, diminui minha condição de órfã para arremessar-me ao alto, vendo-me pelo crânio e não pelos pés que, há muito, não impregnam formas no chão.

MINHA MÃE

Minha mãe!
Quanta saudade!
Brado o seu nome
E tenho o eco por resposta.

O telefone do céu está mudo.
Há muito tempo vivo órfã!
Preciso de um colo
Para descansar meu corpo,
Preciso de um ombro
Para chorar.

Mãe,
Preciso de você para me guiar!
Queria dar-lhe o carinho que guardei.
Dizer da vida,
Das dores, dos amores
E das quedas que levei.
Estou indefesa,
Uma criança outra vez.
São tantas as queixas...

Mãe,
Sua presença me devolve a paz.
A silhueta etérea me acompanha
E sob as suas asas sou amada.
Mas é sempre em sonho
E você me deixa quando alguém me toca.
A claridade quebra o encanto.
E ainda por um instante, deixa-me fitar
Os olhos azuis de quem eu amo tanto!

2 comentários:

  1. .........esse seu desabafo...(vamos dizer assim),é que me faz curtir mais ainda minha maezinha querida enquanTo viva....e suas palavras muito comoventes...LHE ACHO UM ESPETÁCULO DE SER HUMANO.

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  2. Olá amada Genaura,
    Embora já tenha lido em seu livro tudo o que você relata neste texto, parece-me estar lendo tudo isso pela primeira vez. Sabe por que? Porque, a cada vez que lembro de seus problemas com a saúde e de você como pessoa, não consigo aliar uma coisa à outra. Você é magistral e guerreira em todos os sentidos e ao mesmo tempo. Você, amada amiga, não existe.
    Como pode ainda sentir tanto amor pela vida e amar verdadeiramente a vida e a todos como vc ama? Simplesmente, por ser um espírito forte e
    poderoso, de uma suprema força de vida que a todos que te conhecem, encanta e seduz. Em suma: você é única, Genaura. Não conheci, até hoje, ninguém com a sua garra e, ao mesmo tempo, com a sua brandura. Vontade de ferro e coração de mel.
    Com toda a minha amizade e a minha admiração, um beijo muito grande em seu amado coração.
    Maria Paraguassu.

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Sejam bem vindos!
Vocês alegram a minh'alma e meu coração.

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Era uma luz no fim do túnel e eu não podia perder.
Era a oportunidade que me batia à porta.
Seria uma Delegada de Polícia, mesmo paraplégica!
Registrei a idéia e parti para o confronto.
Talvez o mais ousado de toda a minha vida.
Era tudo ou NADA!
(Genaura Tormin)



"Sou como a Rocha nua e crua, onde o navio bate e recua na amplidão do espaço a ermo.
Posso cair. Caio!
Mas caio de pé por cima dos meus escombros".
Embora não haja a força motora para manter-me fisicamente ereta, alicerço-me nas asas da CORAGEM, do OTIMISMO e da FÉ.

(Genaura Tormin)