PLANTIO

PLANTIO
PLANTIO
(Genaura Tormin)

Deus,
Senhor dos mares e montes,
Das flores e fontes.
Senhor da vida!
Senhor dos meus versos,
Do meu canto.

A Ti agradeço
A força para a jornada,
A emoção da semeadura,
A alegria da colheita.

Ao celeiro,
Recolho os frutos.
Renovo a fé no trabalho justo,
Na divisão do pão,
. E do amor fraterno.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

ACESSIBILIDADE E TRABALHO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA



ACESSIBILIDADE E TRABALHO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
(Genaura Tormin)

“Sem pátria acessível e inclusiva, a democracia para as pessoas com deficiência de todos os Países, é impossível.”
(Luis Fernando Astorga)

O trabalho remonta aos tempos do homo sapiens, ao tempo das cavernas, por estar ligado à sobrevivência. E para nós significa dignidade, além de uma verdadeira terapia ocupacional que nos devolve o sentimento de utilidade. É a oportunidade justa para provar que poderemos ser, não apenas força produtiva, mas força transformadora, aumentando a esperança num País justo e progressista, diminuindo-lhe os problemas sociais, além de servirmos também de motivação e incentivo aos muitos “paralíticos andantes”, que se alicerçam numa ociosidade crônica para nada fazerem ou mal fazerem.

A Constituição Federal de 1988 concedeu direitos à pessoa com deficiência, abrindo-lhe mercado de trabalho, permitindo-lhe participar do processo econômico, político e social do País que lhe serviu de berço.

A acessibilidade, condição indispensável para que possamos viver com dignidade, é a principal porta, pois, precisamos nos mostrar e exercitar o nosso caminhar, dar a nossa participação de trabalho. É a acessibilidade que garante o pleno exercício de direitos. Hoje a deficiência significa um conceito em evolução, que resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras relativas às atitudes e ao ambiente que impedem a sua plena e efetiva participação na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, segundo a Convenção Internacional das Pessoas com Deficiência, ratificada pelo Brasil.

Há legislação que garante o exercício desse direito, abrindo caminhos para melhorar a acessibilidade a todos os lugares:
A Lei n. 7.853, de 24 de outubro de 1989, regulamentada pelo
Decreto n. 3.298, de 21 de dezembro de 1999;
Lei n. 10.048, de 08 de novembro de 2000;
Lei n. 10.098, de 19 de dezembro de 2000,
e no Decreto n. 5.296, de 02 de dezembro de 2004;
Lei n. 10.226, de 15 de maio de 2001;
Lei n. 11.126, de 27 de junho de 2005, e
Decreto n. 5.904, de 21 de setembro de 2006.

Toda essa legislação estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida, mediante a supressão de barreiras e de obstáculos nas vias, espaços e serviços públicos, no mobiliário urbano, na construção e reforma de edifícios e nos meios de transporte e de comunicação.

Da mesma maneira que se preparam as crianças para a vida, por meio da escolaridade, o Estado/tutor deveria propiciar às pessoas com deficiência, além da escolaridade curricular, a educação profissional que as introduzirá no mercado de trabalho, sem ter que ficar sob o jugo do assistencialismo que camufla a capacidade.

A pessoa com deficiência preocupa-se muito em mostrar competência e conquistar respeito pelos próprios méritos. Por fazer parte da diversidade da vida, enfrenta muitos preconceitos. Sua estampa carrega o estigma do temor, da piedade, e quase nunca o do respeito.
Embora o desafio seja o alvo para criar consciência popular, há muito ainda a desejar.

Pouco se conhece do slogan "Oportunidades iguais para todos" ou "Tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida em que eles se desigualam".

Tem-se que ser imbatível para conquistar aceitação e mercado de trabalho, pois o desconhecimento social e a falta de acessibilidade significam grandes barreiras.

Trabalho é saúde, é progresso. Cabeça vazia é sempre “oficina para o diabo”. E a ociosidade é um chamariz para as enfermidades mentais, redundando, muitas vezes, em depressão, suicídio e tristeza para a família e amigos.

Nas edificações de logradouros públicos, quase nunca somos consultados quando de sua feitura, especialmente quanto aos banheiros, onde há certas peculiaridades e a necessidade de usá-los é vital para o ser humano. Nem os banheiros dos hospitais são construídos para nós. O improviso tem sido o nosso lema, acompanhado, é claro, de tristeza e constrangimento.

Cálculos demostram que os custos financeiros da construção de uma obra adequada e com acessibilidade às pessoas com deficiência, ou melhor, a todas as diversidades, ficam acrescidos, apenas, de 2%.

Apesar de integrar um grupo vulnerável, geralmente relegado à exclusão e exposto a concepções desprezíveis, a pessoa com deficiência física, devidamente inserida num local de trabalho sem barreiras que lhe impeçam o caminhar, produz, cria e se evidencia em competência, auxiliada pelo desafio que se insinua garboso. Essa segurança reflete na sua qualidade de trabalho e, consequentemente, de vida.

Oferecer chances para que todas as pessoas possam desenvolver suas potencialidades, respeitando as diferenças é um compromisso com a ética na redução das desigualdades sociais, em prol da ordem, da paz e do progresso da nação.

Delegada de polícia, pode?
Pois é, exerci com galhardia, dedicação e competência esse cargo, embora do alto de minha cadeira de rodas. Hoje estou no Judiciário Federal e me sinto honrada de emprestar minha cota-participação de trabalho ao meu País.

Relembrando o início dessa militância, em condição até então inusitada e num cargo tão difícil e complicado, vai aí um pequeno relato daquele tempo em que o desafio pautou a minha vida, fazendo-me forte a qualquer embate.

Gerindo os destinos de mim mesma, ia armazenando segurança no começo de uma nova vida. Reunia todas as migalhas que considerava útil e com elas construí uma fortaleza. Alçava meus voos domésticos, progredia no trabalho e ficava satisfeita com o reconhecimento popular. Era comum alguém do povo exclamar: — Vi a senhora na televisão, mas não sabia que era paraplégica. Que pena!

O cinegrafista não focalizava a cadeira de rodas durante as informações que, por vezes, tinha que prestar em frente das câmeras sobre trabalhos presididos por mim na delegacia. Talvez quisesse demonstrar-me um gesto de carinho.

Certa vez, expliquei-lhe que a cadeira fazia parte. Não podia locomover-me sem ela e não tinha o menor constrangimento. Afinal era o meu jeito de andar.

— São as minhas pernas de aço, os meus nervos inquebrantáveis... Pode mostrá-los ao público. Não me menosprezará por isso.

A repórter que ouvia as minhas explicações, para justificar diante das câmeras, revelou ao telespectador que eu era uma deficiente de cadeira de rodas, e, em seguida, dirigiu-me a palavra:

— Como a senhora pode exercer o cargo de Delegado de Polícia, numa cadeira de rodas?

Com o meu instinto poético e tentando ser abrangente na resposta, também, às muitas perguntas que me haviam sido feitas pela vida afora, expliquei:

Quero dizer a vocês,
Que a mente não está nos pés,
E aqui, na minha cadeira,
Trabalho por mais de dez.

Quem me conhece, já sabe
Da minha capacidade,
Não me curvo por besteira
E luto com hombridade.

Mato a cobra e mostro pau.
Medo, não tenho não!
Já mandei prender bandidos,
De estuprador a ladrão.

Lembro-me do grande Franklin,
Dos Estados Unidos, presidente,
Em tempos reacionários,
Exemplo pra muita gente.

Por isso estou aqui,
Em condição inusitada,
Pois sei que neste Planeta,
Não tem uma delegada

Numa cadeira de rodas,
Que seja capacitada,
Faça inquéritos e flagrantes
Numa Especializada.

Mente sã é corpo são,
Por isso não tenho nada,
Sinto-me com pernas fortes,
Numa cadeira sentada.

Na rua dirijo carro,
Faço compras e viajo,
Trabalho, leciono e nado.
É só questão de estágio.

Para os que não me conhecem,
É essa a informação,
Moradores da cidade
E outros que aqui estão.

“Ninguém pode chegar ao topo armado apenas de talento. Deus dá o talento; o trabalho transforma o talento em gênio.” (Ana Pavlova)

Assim matei a curiosidade do telespectador, mostrando-me por inteira, sem reticências.
Depois desse episódio, foi-me crescendo o desejo de abrir as portas ao público, não só no meu trabalho, mas na minha intimidade depois da paraplegia. Senti que o povo nada sabia sobre pessoas com deficiência, razão por que as julgava inválidas, como se a cabeça estivesse no dedão do pé, devotando-lhes, ainda, desairosa compaixão.

Eu, também, quando andava, nada sabia sobre paraplégicos. Nunca parei para pensar. Eram coisas alheias ao meu convívio. Deixa pra lá! Estava muito ocupada com os problemas, os sucessos e enleios da vida. Não transava o assunto, assim como a maioria da nossa gente. Jamais imaginei que a sensibilidade tátil ia de embrulho, por acréscimo. Realmente, o pior só acontece aos outros, nunca à gente!

O desejo foi crescendo, crescendo, tomando formas, amadurecendo, e embora tivesse que desvestir a dor para erigir marcos benfazejos em defesa do porvir, escrevi PÁSSARO SEM ASAS, que surgiu radiante, feito uma cartilha de amor à vida, para ajudar outras vidas, abrir caminhos e falar de possibilidades, de desafio e de muitas conquistas.

Hoje há uma consciência popular maior sobre a acessibilidade e mercado de trabalho para pessoa com deficiência.

O Tribunal onde trabalho é servido por rampas, e tenho um banheiro decente que atende às minhas limitações.

Tenho tido dificuldades para entrar nos banheiros dos hotéis durante as viagens. Aí a criatividade e o improviso se encarregam, preocupando-me para não ficar triste. Às vezes, lavo o rosto com toalha molhada, fico sem tomar banho, lavo as axilas, as partes íntimas [risos]... Tendo o marido por perto, tudo fica fácil, embora não deixe de reclamar (da falta de adaptações) para criar consciência popular. Não me constranjo em subir escadas nos braços de alguém.

Faço isso para que outras pessoas vejam. Pode ter ali um futuro arquiteto, um futuro engenheiro, solo fértil para o plantio da semente.
Para executarmos uma tarefa, é lógico que precisamos dos apetrechos inerentes à sua feitura. E nós, paraplégicas, precisamos de pernas de roldanas para substituir o nosso caminhar. “É o faz de conta”. É a condição sine qua non para irmos à vida, para sermos produtivas.

Contudo, é muito triste vermos colegas com deficiência, em cujas cadeiras de rodas há tarjas indicando em letras grandes que foram doadas. Abomino tal conduta, a qual se enquadra como ato típico perfeito de roubo da dignidade. E dói muito quando feita pelos governantes, que apenas administram as receitas oriundas dos nossos impostos e têm por obrigação o soerguimento social.

Se uma pessoa com deficiência precisa de uma cadeira, tem de pagá-la com o ônus da humilhação. Fica mais cara do que uma cirurgia de grande porte, pois a ferida não sara, ficando sempre à mostra para o escárnio dos que passam por ela. Mais um conceito negativo estampado do respaldar de sua cadeira.

Digo isso no sentido de mudar mentalidades na construção de um mundo melhor, onde possamos, realmente, fazer parte como indivíduos produtivos, integrantes da nação.

Oxalá possamos algum dia comemorar “Um Brasil onde todos os brasileiros tenham oportunidades de desenvolver as suas potencialidades e realizar os seus sonhos. Um Brasil sem preconceitos, que não discrimine nenhum dos seus filhos. Um Brasil decente”. (Luís Inácio Lula da Silva)

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Era uma luz no fim do túnel e eu não podia perder.
Era a oportunidade que me batia à porta.
Seria uma Delegada de Polícia, mesmo paraplégica!
Registrei a idéia e parti para o confronto.
Talvez o mais ousado de toda a minha vida.
Era tudo ou NADA!
(Genaura Tormin)



"Sou como a Rocha nua e crua, onde o navio bate e recua na amplidão do espaço a ermo.
Posso cair. Caio!
Mas caio de pé por cima dos meus escombros".
Embora não haja a força motora para manter-me fisicamente ereta, alicerço-me nas asas da CORAGEM, do OTIMISMO e da FÉ.

(Genaura Tormin)