A
CONCEIÇÃO DE MURILO
(Dom
Augusto Álvares da Silva)
Já
não era uma criança, um maranhal de fios,
Crivava-lhe
a fronte cismadora e rude,
Onde
uns olhos profundos, tépidos, sombrios
Punham
tom de mistérios e índice de virtude.
Desde
muito era visto andar pelas esquinas,
A
olhar curiosamente a turba circundante
E
até fazer parar donzelas e meninas
Para
mirar-lhes de perto as linhas do semblante.
Teria
enlouquecido? O Rei crente e piedoso
Ordenara-lhe um
dia a execução
Do
seu desejo ardente: um quadro primoroso,
A
cópia fiel da Imaculada Conceição
Por
isso é que ele andava inquieto,
Fitando
a todo mundo, olhando a toda gente,
Para
ver se achava enfim, concretizado ao vivo
O
modelo ideal que brincava-lhe na mente.
Esta?
Não serve! Aquela? Causa pena vê-la!
Que
angústia se encontrava essa alma torturada,
Por
não achar nenhum pálido modelo,
Que
pudesse traduzir uma alma imaculada.
Junto
à prisão do Estado, em pedras úmidas
Das
ruas de Madri, o sol já ia posto,
Uma
pobre menina, o pranto escondia
Na
noite sem véu a aurora do seu rosto.
Murilo
aproxima-se delicadamente:
Por
que choras assim? Levanta-te! Sê forte!
Ela
volveu os olhos e disse simplesmente:
_
Meu pai, senhor, está preso ali...
Está
condenado à morte!
Ao
contemplar desnuda, a fronte peregrina,
O
artista até estacou e arrebatado vai,
Tomando-lhe
pela mão, dizendo-lhe: menina,
Anda,
vem comigo e eu libertarei teu pai!
Meu
pai, senhor, é mouro, e o Rei nos persegue.
É
bárbaro e cruel apesar de cristão.
Dos
nossos, nenhum que lhe foi um dia entregue,
Senão
para morrer saiu dessa prisão!
Menina,
vem comigo! Eu juro! A liberdade
Será
dada ao teu pai, herege ou criminoso!
Pois
o Rei que dizes mau e afeito à crueldade,
Tem
sangue espanhol, ardente e generoso.
Vem!?
Vamos, partamos depressa!
Que
o teu pai será livre, essa esperança é fato!
Porque
o Rei cumprirá fiel a sua palavra
De
dar-me o que pedir em troca de um retrato.
Sim,
o Rei prometeu, se eu pintasse a gosto
A
Conceição sem mancha, espórtula avultada,
E
criança, tu tens no rosto,
Os
traços mais fieis de uma alma imaculada.
Anda,
pois! E ela foi... O artista
Toma
diante de si a cabeleira loura, em ondas soltas,
O
olhar fitando o céu, e as mãos em cruz no peito,
Quando a murmurar: Então meu pai não volta?!
Quando
tudo acabou, nervosamente ufano,
Tomou-a
pela mão e alçando a voz lhe disse:
_
Agora vem comigo, ouviste?
O
soberano garantiu-me pagar
O preço que eu pedisse.
Quando
chegaram lá, era o Palácio em festa:
Clero,
nobreza e povo, a fina flor da Espanha,
Em
meio à exposição de um quadro novo,
Emprestam
todos, agora ali, solenidade estranha.
Ia-se
inaugurar a Virgem de Murilo,
Quando
um Oh! de repente, em meio à sala estoura!
Estava
junto ao pintor, impávido e tranquilo,
Inquieta
e perturbada, a pobrezinha moura!
Nisso,
ergue-se a cortina e esplêndido aparece
O
retrato fiel da moura ali presente.
O
olhar fitando o céu, mimosa boca em prece,
Onde
brinca um sorriso ingênuo, inocente!
Nisso,
corre a cortina! A sala vibra em palmas.
Olhares
vão da menina à tela. E o Rei,
Ao
pintor que assim retrata as almas:
_
Pede quanto quiseres! Diz, que te darei!
Senhor,
se meu trabalho algum valor alcança,
Se
me queres pagar, Murilo principia,
Então,
dai liberdade ao pai desta criança
Em
nome da beleza e em honra de MARIA!
E
as duras férreas portas da prisão,
Abriram-se
de par em par,
E
das celas sombrias viram sair liberto o condenado
Louvando
a Conceição sem mácula de MARIA!
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